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Em meus planos estava tudo certo para começar a leitura de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” poucos semanas antes do natal, o que equivaleria a encerrar a história de nosso personagem quase perto ou até mesmo no dia de natal, data essa segundo os costumes, em que ele nasceu. A leitura de fato iniciou-se semanas antes da data famosa, mas somente consegui concluí-la no final da primeira semana de janeiro. Sei que dificilmente marco o tempo naquilo que estou a escrever, mas é necessário se fazer essa observação. Os mais espertos de cálculo logo notaram que a leitura girou em torno de 30 dias, o que para um livro de 400 e poucas páginas é muito tempo. Não quero dizer aqui que o livro foi uma chatice ou um completo tédio, pelo contrário, quero dizer que o tempo que foi levado para sua leitura foi tão precioso, tão bem vivido, tão bem degustado em cada um dos seus detalhes que simplesmente não queria que ele tivesse acabado. Em suma, depois de tanto lero, e também para chegar ao ponto dessa resenha (caso queira chamar isso de resenha), ler essa obra, que considero a obra magna de José Saramago, foi sentir-se nauseado, maravilhado, incrédulo e inspirado. Uma amálgama de sentimentos, contraditórios ou não, que fez com que eu me sentisse um verdadeiro leitor.
“O filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo...”. É assim, em meio a sangue, dores e realidade que José Saramago encarna a escrever a sua versão do Evangelho de Jesus sob sua própria perspectiva, de uma maneira “humanizada”, consistente, dorida, tênue e não totalmente sagrada. Foi com esse livro que o autor mudou completamente sua carreira, não somente no sentido de alcançar uma carreira sublime como gênio da literatura, mas também como o homem que dividiu o seu país em duas categorias: Os que o amavam e aqueles que o queriam morto por escrever tanta blasfêmia com o patrimônio cultural cristão. Muitos diziam “Como pode um ateu, que não conhece nada de nossa religião, ter o direito de querer escever algo do qual não lhe interessa e não lhe faz parte?” E Saramago respondia que exatamente ele, por seu ateu, que foi criado e educado quando mais novo na tradição cristã, tão impregnado dos preceitos católicos, teria mais que o direito de escrever o que bem entendesse sobre a vida de Cristo, o homem mais estudado no mundo. Houve polêmicas, críticas, revoltas partidárias, cancelamentos da parte do governo português de prêmios que seriam concedidos ao autor e milhares e milhares de cartas, protestos, ligações e xingamentos que Saramago teve que aturar em sua vida, até mesmo depois de anos da publicação da obra. No fim de tudo, Saramago acabou se exilando (palavra que ele odiava) de seu país, indo morar com sua mulher, Pilar, na ilha Lanzaroti, onde passou boa parte de sua vida humilde. O Evangelho segundo Jesus Cristo, como o próprio nome diz, vai contar a trajetória de Jesus, desde o seu nascimento, na verdade até mesmo os primórdios de sua concepção, até chegar a sua crucificação. Se olharmos por um ângulo melhor da história, Saramago irá dar importância a dois homens nesse enredo: José, seu pai, carpinteiro e pouco mencionado na história bíblica, que assume dúvidas a respeito de sua paternidade e das verdades contadas por Maria, sua mulher; e Jesus, um rapaz que começa cedo a entender o peso que carrega nas costas, procurando entender seu destino na terra e saciar sua sede de dúvidas. Apesar de serem personagens tão diferentes, os dois passam a ter várias coisas em comum: O destino, suas dúvidas e até mesmo as sinas. Diferente da bíblia, sabemos um pouco mais sobre o destino de José, uma vez que Saramago, usando da paródia bíblica, nos dá explicações bem logicas para os fatos tido como sagrados ou milagrosos. Com um humor ácido, o autor tece várias críticas a cultura machista da época, as costumes judeus e as leis impostas pelo rei. Conforme o tempo vai passando vamos sendo levados a conhecer outros personagens conhecidos, como a própria Maria, mãe de Jesus, que aqui representa as Marias do mundo que são oprimidas, não escutadas e levadas conforme as leis dos homens. Entre outros personagens, aqui destaco os meus preferidos, Deus e o Diabo, figuras antagônicas, apesar de serem tidas como semelhantes, mas que são carregados de personalidade e humor. Diferente da bíblia, Saramago constrói um Deus tido como o vilão da história, usando de Jesus como um joguete em suas mãos para conseguir alcançar seu plano: Conquistar ainda mais o mundo. Já o Diabo, aqui visto como um ser inteligente, perspicaz e esperto, é o personagem que mais se mostra com sabedoria, transmitindo seus ensinamentos a Jesus durante sua vida. Por Rodolfo Vilar
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April 2021
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