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“Olharam-se em silêncio, conscientes da total inutilidade de qualquer palavra que proferissem, presas de um sentimento confuso de humilhação e perda [...] como se a chocante conformidade de um tivesse roubado alguma coisa à identidade própria do outro”. Essa é a reação de Tertuliano Máximo Afonso, professor de história que inesperadamente se vê numa situação bastante intrigante: descobrir que existe uma duplicata de sua pessoa no mundo. Como você reagiria? Qual seria sua surpresa ao descobrir por acaso que no mundo existe um alguém igual a você nos gestos, nas feições, na fala e até nos pequenos detalhes?
Saramago nesse livro, mais uma vez nos surpreendendo com seu jogo de destinos e ideias, brinca com a possibilidade já levantada no próprio livro do Dostoievski chamado “O duplo”, quando cria um personagem que, por meios físicos e psicológicos, sente-se duplicado. Tertuliano Máximo Afonso, depois que recebe uma dica de um filme para assistir, percebe que um dos atores da película é nada menos que uma cópia fiel de sua personalidade, o que o intriga a ir mais longe ao ponto de entrar em contato com o sujeito para trocarem figuras, ou melhor, trocarem comparações sobre corpos e vida. Só que nessa decisão de ir mais longe ao ponto de entrar em contato com o sujeito que é sua cópia, Tertuliano se vê preso numa teia de conspirações e disfarces que fará com que os seus problemas sejam multiplicados até o levar a quase loucura. O livro não é apenas um enredo sobre a ideia de criar um personagem duplo, mas sim também a ideia de aprofundar o leitor na psique de uma mente confusa e cheia do cotidiano de suas obrigações, forçando a nós leitores a nos questionarmos sobre o que é verdade e o que é mentira dentro do texto. Muitas vezes nos deparamos com o Senso Comum, que aqui no livro se mostra como um dos melhores personagens já criados por Saramago, onde através de sua visão nos surpreende com ideia de confundir o certo pelo errado, o falso pelo verdadeiro, o branco pelo preto. Saramago usando de suas fábulas, nos mostra um problema da atual sociedade: A perda da identidade do sujeito. Um sujeito que vive em meio ao cotidiano que lhe prende, ou avesso (ou confuso e estagnado) as suas mais estranhas fantasias. O homem duplicado não é somente um problema de quantidades humanas, mas sim uma possibilidade de experiências para novas vidas. Tanto que essa ideia é mais abrangida no filme dirigido por Denis Villeneuve, o conceito do homem preso as teias de sua vida. O que não conta é que o filme é a casca, enquanto que o livro é a alma. No primeiro trata-se do externo e suas consequências, no segundo nos aprofundamos tanto na alma do personagem que somos capazes de nos esquecer em seu mundo. Em seu prefácio “O caos é uma ordem por decifrar”, o autor nos mostra que mesmo em meio a confusão de seus pensamentos e de suas vontades, ainda é possível para Tertuliano Máximo encontrar a si mesmo, bastante apenas decifrar aquilo que possa ser o “correto” ou o “errado” para suas escolhas, como por exemplo não enganar a si mesmo e aqueles que o cercam. O Homem duplicado é a jornada do homem ao mundo externo e também, por indecifráveis escolhas, a jornada do homem dentro de si mesmo, procurando a verdade que o poderá representar. Por Rodolfo Vilar
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Cipriano Algor, oleiro de profissão, sente-se desnorteado ao ser notificado que suas peças de barro não configuram mais como produtos de venda do grande Centro da cidade do qual nosso personagem vive a margem. Sendo rejeitado pelo comércio local, só resta a Cipriano, junto com sua filha, usar da mesma profissão e começar a confeccionar bonecos de barro para tentar ganhar o seu sustento. Durante todo esse enredo, enquanto acompanhamos a luta pelo personagem em adequar-se a realidade, também compartilhamos da escolha da família em ir morar no tal centro no dia em que seu genro, guarda residente do grande shopping Local, consegue ser qualificado a um novo posto de trabalho.
Depois que ganhou o prêmio Nobel em 1998, muitas expectativas pairavam em José Saramago quanto a qual seria o seu mais famoso romance a ser publicado. Para alguns, A Caverna é nada menos que um livro morno e monótono onde apenas se acompanha a trajetória de um homem a procura de seu lugar a sociedade. Para outros, como o meu caso, a surpresa em conseguir ler uma obra que toma forma a partir de outro grande clássico da literatura filosófica é uma das dádivas que somente Saramago consegue criar: transformar uma metáfora numa realidade moderna. Platão em seu livro “A República” nos mostra a fábula da Caverna, onde um grupo de indivíduos vive as escondidas do mundo, fazendo das sombras refletidas no fundo dessa cavidade a realidade que julgam ser necessária para a compreensão da verdade. Trazendo à tona numa modernidade surpreendente, Saramago irá nos mostrar a “Nova caverna” em quer habitamos, ou seja, a tecnologia e as revoluções de um mundo moderno em que habitamos, nos fazendo enxergar aquilo apenas no qual devemos acreditar. A grande questão de Saramago é fazer com que o seu personagem, um oleiro que mora numa cidadezinha do interior, saia de sua conformidade (sua caverna) e corra atrás de seu espaço na sociedade em que se impõe. Porém fica o questionamento: A caverna é a sociedade ou o sujeito precisa sair de sua caverna? Num romance singelo, no seu próprio tempo e sempre brincando com a linguagem, Saramago consegue mais uma vez estudar a realidade que sempre o assolava em seus próprios apontamentos: O sujeito prisioneiro na sua própria evolução, sendo tomado cada vez mais pelo tempo que o assombra. por Rodolfo Vilar. O Labirinto torna-se complexo ao ponto em que mais nos adentramos dentro dele. Sao voltas e mais voltas dentro de uma complexa construcao de estruturas elaboradas para nos desviar a atencao, ou melhor, nos guiar ao destino concreto do entendimento. Labirintos que levam a outros labirintos. A construcao de Jorge Luis Borges que aqui se apresenta como um sopro de inspiracao para Saramago, que utilizou da ideia do labirinto para dar vida a sua obra.
Todos os nomes, romance de Saramago escrito em 1997, e um romance linear que trata sobre a vida pacata do Sr. Jose, um empregado da Conservatoria Geral do Registro Civil, que tem como robe colecionar noticias sobre celebridades locais em seu pequeno caderno de colagens. Porem, durante um dia em que ja comeca sair de sua vida pacata, o Sr. Jose se depara com o registro de uma mulher desconhecida incompleto, o que o motiva a procurar mais informacoes sobre essa pessoa tao peculiar. E a busca pela identidade dessa mulher que leva o pacato funcionario a cometer terriveis loucuras apenas para satisfazer uma curiosidade. Como o proprio titulo do livro ja diz, Todos os nomes e uma grande metafora sobre a profundidade do nome que cada um carrega, o peso do significado daquilo que carregamos, o que de certa forma tambem e uma metafora sobre a forma como os escritores brincam com a criacao de personagens. Nesse romance nos perguntamos o porque da curiosidade do Sr. Jose na busca pela mulher desconhecida, o que o faz sair de sua comodidade e vida comoda para correr riscos por algo tao banal como sua propria curiosidade. Ta ai mais uma vez Saramago usando de seus personagens para mostrar o quanto sair do senso comum e da mesmice provocam aventuras e desperta o verdadeiro ser dentro do personagem. Todos os Nomes mostra a relacao do nome que carregamos com o destino a ser tracado, nos despertando para a duvida "Somos mais do que nomes". Alem disso o livro e uma constante brincadeira do destino, onde Saramago usa do verbo para dar vida e acao ao seus personagens, o colocando num labirinto de escolhas e descisoes. E o labirinto o grande personagem desse livro. E ele que esta presente quando somos inseridos dentro da enorme Conservatoria Geral, massacrados pelo peso de centenas de registros de nascimento, casamento e morte, a propria vida tecendo o seu labirinto, principalmente quando o personagem percorre a cidade, sua casa, a escola e o cemiterio, transformando tais cenarios em ciclos de nossa propria vida (Nascer, crescer, estudar, casar e morrer). Alem disso o livro e cheio de outras caracteristicas, como a paixao que Saramago exerce ao criar cenas que nao existem, brincando com o verbo e tendo total dominio sobre seus personagens. Outra grande critica levantada e a relacao de subordinacao entre funcionario e chefe, fazendo da interacao mais uma dominacao que um verdadeiro processo que leva ao pleno trabalho. Por fim, nao poderia deixar de citar O Teto, que surge como um dos melhores personagens do livro, ainda mais com um grande significado filosofico. Ler Todos os nomes foi uma experiencia unica! Pena o livro ser tao esquecido, ate mesmo por aqueles que sao fas da obra do Saramago, ja que ele traz grande questionamentos sobre o existir, o destino e nossas acoes em conjunto. Deem uma chance a essa pequena grande obra e desvende o labirinto de nossas escolhas. Por Rodolfo Vilar O livro dos conselhos nos diz Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. Um conselho tão simples, tão minimalista que chega a nos causar um certo desconforto. Como é possível enxergar além do que já estamos vendo? A verdade é que o nosso enxergar já é um modo incurável de cegueira. É uma doença que nos contagiou na atual modernidade, uma cegueira que não nos deixa enxergar o hoje, o humano, o físico, o necessário. Uma cegueira que nos deixa além da brancura de nossa verdadeira alma.
Durante uma visita ao Brasil em que José Saramago participou de uma sabatina promovida pela Folha de São Paulo, a imprensa perguntou-lhe sobre o motivo de ter escrito o livro Ensaio sobre a cegueira. Em resposta a essa pergunta, Saramago pensou e respondeu que a ideia para o livro surgiu quando ele estava almoçando no seu cotidiano num dos principais restaurantes em Lisboa, quando lhe surgiu a mente o pensamento: “E se ficássemos todos cegos?”, quando ele percebeu que já tinha a resposta para essa pergunta: “Mas nós já estamos todos cegos de certa maneira”. Foi com esse pensamento um tanto profundo e filosófico que José Saramago escreveu o livro considerado mais perfeito de sua carreira, dando inicio a uma fase diferente em suas temáticas abordadas em meio a literatura e aos próprios livros anteriores, já que segundo o próprio autor, ele “deixou de tratar sobre a superfície da pedra e agora tenta entender o seu interior”, dando referência que a partir de então passará a tratar da profundidade do entendimento humano a cerca do seu papel na sociedade, essa que vem sendo dilacerada por sérios conflitos existenciais e de sua modernidade. Ensaio sobre a cegueira começa quando um sujeito em pleno trânsito de uma capital barulhenta encontra-se cego no caos automobilístico da selva de pedra. Uma “cegueira branca” lhe acomete e o sujeito passa a sentir-se “como num mar de leite” sem enxergar nada que esteja a sua volta. Ao decorrer das páginas, percebemos que o mesmo sintoma passa a ser transmitido a milhares de outros sujeitos por toda a cidade, sendo então percebido que uma determinada doença está a atacar a população mundial. O que resta fazer? Colocar todos os infectados num tipo de quarentena, para que então seja estudado o que poderá se fazer, além é claro, de evitar o contágio com aqueles que não contraíram o mal. Sendo assim, centenas de pessoas são levadas a isolar-se num manicômio, único lugar possível para separar os cegos dos não cegos, e tentar uma possível solução para o problema. Porém, como plot principal da história, acontece de uma não-cega, por vontade própria querer acompanhar o seu marido, que é medico dos olhos e passa a ser quase que uma piada para o grupo. Em meio ao caos, a mulher do médico, que não está cega, passa a perceber o mundo com outros olhos, enxergando aquilo que não queria enxergar e ajudando aos que faltam dos olhos a sobreviver em meio a barbárie que inicia-se nesse novo mundo. O livro é cheio de pontos altos. Um deles é a não existência de nomes para seus personagens, sendo todos eles tratados pelo adjetivo do qual nós os conhecemos em ação. Sendo então a mulher do medico como personagem central e outros que circularão ao seu redor: Seu marido, o primeiro cego, o velho da venda, a rapariga de óculos escuros, o cão das lágrimas e etc.. Uma leve piada que Saramago mostrará ao seus leitores, levando a personagens tão peculiares a se desenvolverem em sua trama de uma maneira única e excêntrica, nos mostrando que os olhos apenas são um acessório para uma ilusão, sendo necessário enxergar além disso. Saramago nunca havia me deixado desconfortável em seus livros, mas nesse ele conseguiu, uma vez que somos levados ao estado primitivo do homem como verdadeiro animal que é. São cenas extremamente ilícitas, grotescas e que causam asco. Verdadeiramente eu deixei o livro de lado em alguns momentos, apenas para conseguir me recompor do estado de choque em que me encontrei. São fortíssimas reflexões que nos abalarão completamente em nosso estado de inocência, nos fazendo regredir ao estado primitivo e nos perguntando “que tipo de ser humano eu sou?”. Marcando uma nova forma de importância a sua literatura, Saramago consegue não somente se renovar em suas temáticas, mas também transformar leitores em indivíduos pensantes e críticos. Por Rodolfo Vilar. ![]() O que poderia acontecer se num determinado momento, um simples editor resolvesse colocar um “Não” no lugar de onde deveria estar um “Sim”. É quase com essa estrutura kafkaniana, que na verdade tornou-se saramaguiana, que José Saramago resolve brincar com a possibilidade do “e se”, transformando um fato histórico numa verdadeira busca pelo sentido da palavra escrita. Raimundo Benvindo Silva, revisor de textos, comete um erro proposital ao acrescentar a palavra “não” no livro que está a revisar sobre o apoio que os cruzados deu aos portugueses na queda de Lisboa, fazendo com que o texto passe a ser interpretado como se os cruzados não apoiassem os portugueses, tendo então como consequência o cerco no qual acomete com fatalidades em decorrência da decisão tomada. Com o erro causado pelo revisor e a decisão da empresa de contratar uma supervisora para inspecionar o trabalho de Raimundo, o mesmo passa com o apoio da nova funcionária a escrever um romance que se baseia nas consequências desse fato histórico às avessas. José Saramago, se mostrando mais um vez apto a maestria de seus textos, desenvolve duas histórias pararelas que, juntas, irão se desenvolver nesse livro maravilhoso que envolve um romance como somente Saramago consegue criar e, de uma forma suscinta que será melhor desenvolvido nos seus livros seguintes, a compreensão e descrição de fatos históricos tratados com prestigio e detalhes. Um pouco dotado dos princípios da metalinguagem, em que o livro está tratando da própria linguagem como tema central, Saramago usa de sua personagem para tratar da síntese do autor representado como um “ deus” do mundo que próprio cria o destino daquilo que traça. Isso é bem representado no momento em que Raimundo decide criar uma negativa para o fato histórico do Cerco de Lisboa. Em verdade, na minha opinião, o fato histórico é só um mero pano de fundo para tratar sobre o destino do “se contar a história”, tema essa que brevemente Saramago irá discorrer muito em seus futuros livros: E se o mundo inteiro ficasse cego? E se Jesus tivesse sua própria versão do evangelho? E se eu negasse a participação dos Cruzados ao cerco de Lisboa?. Saramago é fabuloso no seu processo de produção, onde o próprio processo se transforma no enredo daquilo que está a criar. O ato se igualando a arte, o fazer sendo o feito. A literatura se transformando num mar de possibilidades na construção da linguagem. Conhecer os trabalhos do autor é se aventurar no infindável processo de aprimoramento como leitor e pessoa humana. Por Rodolfo Vilar NAVEGUE POR CATEGORIAS!Para facilitar sua procura, busque abaixo na lista o nome do autor que você procura. AUTORES
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April 2021
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