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Em determinado momento da história da humanidade uma sucessão de fatos se desenrolam, provocando um acontecimento contraditório nunca antes assistido por alma viva, ou até, morta. Uma moça chamada Joana Carda, enquanto entrete-se com o lindo pôr do sol, têm em mãos uma vara de oumeiro que despreocupadamente a utiliza para desenhar um traço no chão. Outro indivíduo, de nome Joaquim Sassa, que também está enriquecido de olhar o pôr do sol, só que na praia, subitamente cria forças para jogar a léguas de distância uma pedra que segundo a física seria praticamente impossível que tal sujeito conseguisse sequer levanta-la do solo. José Anaiço, em outras paragens, um homem comum de sua província, sente-se como vigiado por mil olhos quando na verdade o que está a acontecer é que um bando de estorninhos, numa nuvem negra e dançante, o persegue em todas as direções, chamando a atenção de todos que assistem tal cena. Numa casa abandonada da zona rural perto do Alentejo, Maria Guaraiva, que está simplesmente a desfiar um dos pares de meia para enrolar o novelo de lã, percebe que o fio que está a puxar continua no estado de continuar a desfazer-se, parecendo nunca ter fim, o que é fato verídico. Por fim, mais dois personagens entram em cena, um deles Pedro Orce, o homem que depois de tantos fatos acaba se tornando um sismógrafo, onde qualquer pessoa que lhe toque sentirá o poder da terra a treme-lhe sobre a pele. E por fim, um cão abandonado e místico chamado apenas de Cão, que não tendo por vontade ou destino um lugar para ir, irá juntar-se ao grupo de indivíduos que presenciarão, por seus próprios olhos, a separação da península ibérica do resto do continente europeu. Um fato sem lógica, sem respostas e que levará a consequências drásticas e felizes.
Lançado em 1986, Jangada de Pedra é o sexto romance de José Saramago, que escrito num contexto histórico bastante conflituoso, demonstra o momento em que estava ocorrendo a ideia da Unificação da Europa, onde os países Ibéricos (tratados no romance como Espanha e Portugal) estavam sendo postos de lado nas decisões políticas e econômicas, fazendo com que Saramago criasse essa alusão dos países, num momento específico, separados do restante do continente, a boiar numa deriva como uma grande jangada de pedra, representando então a falta de consideração com tal povo que parecem, num momento, não terem sequer voz, muito menos identidade cultural ou econômica. Durante todo o romance vamos caminhando junto com os personagens, evoluindo numa escala de fatos toda vez que um novo é inserido, demonstrando assim as consequências que a separação provoca nas pessoas, na economia, na ciência e até quiçá, nos amores. Em suma, apesar de tanta crítica a cerca das suas próprias opiniões políticas, Saramago escreve um livro sobre o destino, tratando desse fator como um dado universal que não é causado por coincidência, e se o é, faz com que suas consequências sejam lógicas. O engraçado é que futuramente esse livro seria tratado de certa forma como um agouro na vida do Saramago, já que, depois da publicação de “O evangelho segundo Jesus Cristo”, livro que causou polêmica no seu país levando o autor a se exilar na ilha de Lanzarotti (fato que o próprio negou severamente até sua morte). Muitos dizem que o próprio Saramago criou sua jangada de pedra, vivendo longe das criticas sobre suas obras, sendo pouco perseguido pela mídia e tendo uma vida tranquila ao lado de sua esposa, Pilar. Ler Jangada de Pedra foi estar em conflito com a ideia de um povo perdendo sua identidade, nesse caso específico, os espanhóis e portugueses vendo serem próprios banidos, por forças da natureza, de seu território. De forma mais profunda, a jangada de pedra simboliza o estado de inanição de um povo ou indivíduo que sente-se de mãos amarradas, não conseguindo ele(s) próprio(s) tomarem uma iniciativa na resolução do problema, ficando como no romance, a observarem o navegador dos acontecimentos e seu destino. José Saramago, que nesse ponto de seus romances está totalmente maduro, consegue mesclar suas opiniões e críticas ao que estava acontecendo no seu próprio momento histórico, mostrando o quanto ele era antenado ao assuntos políticos que lhe mereciam atenção. Ler Jangada de Pedra não foi somente uma diversão, onde ficamos esperando ver o que acontecerá com o destino de seis personagens, foi mais que isso. É entender um pouco de posicionamento politico, entender contextos e dar graças por existir escritor tão belo quanto José Saramago. Por Rodolfo Vilar
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Era uma vez um sujeito chamado José Saramago, um homem diferente de sua época, de suas ideias e de seus conceitos. Acontece que esse sujeito de nome José era muito apaixonado pelas odes poéticas de outro sujeito chamado Ricardo Reis, tão apaixonado e deslumbrado que nunca passou pela sua cabeça que Ricardo Reis na verdade fosse Fernando Pessoa. Sendo assim, com a morte de Fernando Pessoa vai-se Ricardo Reis, e nosso amigo admirador dos dois grandes poetas, sendo na verdade apenas um, se encontra tristemente abalado por tal perda. Como sanar tal acontecimento? Como dar voz a figura tão importante que apenas se perde no tempo e no limbo do esquecimento de um criador? A resposta vem simplesmente da solução de escrever sobre a vida de homem não tão comentado e analisado quanto foi Ricardo Reis, um sujeito indiferente, de maneira um tanto apática e de poucas relações, perfazendo-se como um homem altamente culto, movido pelas paixões particulares e dono de uma inteligência sagaz. Somente Saramago para conseguir transformar um personagem como esse num dos livros mais lidos de seu repertório, como uma forma de ainda deixar mais vivo nosso saudoso poeta. Para aqueles que não sabem, coisa que acho difícil de acontecer, Fenando Pessoa foi um sujeito obcecado em criar heterônimos para dar voz as suas criações. Mas o que ninguém entende é que Pessoa era realmente fanático, tanto que para isso criava elementos que davam vivacidade aos seus pseudônimos, usando de artifício a criação de personalidades, datas de nascimento e falecimento e inclusive, mapas astrais. Ricardo Reis, um dos seus principais heterônimos, era um sujeito altamente inteligente e da burguesia, sendo aclamado pelas suas incríveis Odes, onde glorificava suas paixões, sua admiração pela religião grega e inclusive a contemplação pelo corpo feminino. Segundo os registros de Fernando Pessoa, Ricardo Reis morou boa parte do tempo em Portugal, onde nasceu, mas também passou mais de dez anos no Brasil, onde trabalhou como médico, voltando a morar em Portugal sucessivamente. O que intrigou Saramago foi saber que Pessoa não necessariamente deu um ano de falecimento a sua criação, colocando então um ponto de interrogação na mente do autor para criar o famoso livro onde conta os últimos momentos de Ricardo Reis em Portugal, encerrando assim e dando uma história digna ao personagem que o cativou. Logo no inicio do livro somos desembarcados junto com Ricardo Reis em Portugal, onde o mesmo volta depois de muito tempo para sua terra natal, já que Ricardo descobre que seu amigo, Fernando Pessoa, acaba de falecer. Tendo uma vida de burguesia, Ricardo Reis passa boa parte de seu tempo num famoso hotel da cidade, onde felizmente conhece o amor de sua vida e sua amante, amante essa que pelo destino das mãos de Saramago chama-se igualmente que uma das musas de seus poemas. O momento ápice da história de Saramago é quando Ricardo Reis vai visitar a cova de Fernando Pessoa, onde a partir daí ele passa a receber frequentemente a visita do fantasma de Fernando Pessoa. Desse ponto em diante o leitor irá acompanhar vários diálogos perfeitos entre os dois personagens, além é claro, de saber como a vida de Ricardo Reis se estabelece em Portugal, como ele observa seus amores em sua órbita gravitacional, e claro, entender também o momento politico que o país enfrentava naquela época. Para os apaixonados por Fernando Pessoa, ler “O ano da morte de Ricardo Reis” é uma experiência única de entrada no mundo do poeta, onde somos fisgados pela filosofia do Pessoa, na qual o Saramago soube muito bem empregar em seu romance, e também, é claro, os momentos de sua fase de inspiração, desmistificando o ofício do autor como um sujeito transcendental de poderes mágicos. “O ano da morte de Ricardo Reis” transcende o significado do que é um romance para Saramago, trazendo para a narrativa elementos que combinam ficção, historicidade e biografia, mesmo sendo de um personagem criado pela mente criativa de outro sujeito. É uma leitura obrigatória, elementar e subjetiva para muitos admiradores dos dois, ou melhor, dos três sujeitos esplêndidos. Por Rodolfo Vilar É necessário se antecipar e chegar logo a conclusão sobre o livro a ser apresentado: Toda leitura do Saramago é uma completa e fabulosa aventura à cerca de dar vozes aqueles que necessitam. É uma maneira deliciosa e intrínseca de se tornar mais humano. Memorial do convento, escrito em 1982 e já nessa época consagrando Saramago como um dos maiores autores de Portugal e do mundo, é o quarto romance nessa linha histórica, só que agora com um pezinho na fantasia da mente fabulosa do autor. Considerado um dos melhores livros do Saramago, junto com O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Memorial do Convento é um romance que faz do leitor cativo desde as primeiras páginas, uma vez que é impossivel não tomar sentimentos pelos personagens que o fazem parte. Não é à toa que grandes críticos o consideram aquele tipo de leitura do qual nos fará sempre levar conosco seus personagens, lugares e sentimentos por toda a vida. A idéia original da história, idéias que só o Saramago conseguiu ter, parte do ponto histórico em que o Rei de Portugal, D. João, quinto de seu nome, promete através do pagamento de uma promessa (conseguir ter um filho para suceder o seu trono) construir um dos maiores conventos que a cidade de Mafra já teve. No desenrolar da construção desse convento (hoje o Palácio Real de Mafra), é que conhecemos os fabulosos personagens que dão vida a esse romance. Prometendo emprego a todos aqueles que queiram trabalhar nessa construção, Baltazar, que é um ex soldado e agora maneta, volta a sua terra a procura de ocupação. É nessa volta, enquanto assisti a um espetáculo promovido pela Santa Inquisição, que ele conhece Blimunda, aquela que será a sua mulher e eterno amor. Durante esse tempo o casal conhece também o famoso (e tbm histórico) Padre Gusmão, indivíduo esse que tem o sonho de conseguir voar através de uma engenhoca que está a construir chamada “Passarola”. Só que para isso, para que se consiga voar, é necessário de um combustível bastante diferente: as vontades humanas. Para que este sonho se torne real, Padre Gusmão pede a ajuda braçal de Baltazar, que construirá a maquina, e de Blimunda, essa que, quando está em jejum, consegue enxergar dentro das pessoas, o que tornará fácil a tarefa de colher as vontades. Sendo assim, Blimunda e Baltazar tornam - se o casal mais lindo e admirável da literatura portuguesa. Ele, chamado de Sete-Sois por só enxergar de dia, e ela de Nove-Luas, por conseguir ver através da escuridão. E nesse desenrolar que a história prossegue no sucesso ou não da maquina de voar, na instabilidade da vida do casal Sol e Lua e na construção magnânima do Convento de Mafra. Através de muitas metáforas, simbologia e críticas rígidas, Saramago consegue construir uma historia que nos mostra os dois lados representados do que era o reinado de D. João V no século XVIII, criticando o poder da aristocracia sobre a plebe e o desprezo somado as condições ultrajantes que esses passavam. Por que os homens de Mafra deveriam sofrer tanto (e até chegarem a morrer) na construção de algo que pouco importavam para eles, a não ser a mesquinharia de um simples desejo? Fora isso, em diversos momentos Saramago mostra a realidade daquilo que foi a inquisição, onde muitos, inclusive mulheres, acabaram morrendo queimados por heresia injustiçada, sem falar no próprio Padre Gusmão que nesse determinado momento é perseguido pelo simples desejo de voar. Por isso que acrescentei o título dessa obra de Saramago como também “O livro das vontades”, não somente pelo fato já explicitado, mas sim no desejo, na vontade que os núcleos destacados no livro representam em toda a história: o desejo compulsório da construção de um convento, a vontade do homem em ser livre e perseguir seus sonhos, a vontade do padre em voar e conseguir estar mais perto de Deus, o amor intenso do casal Sol e Lua que sentem a vontade, chamado, de serem um só. Em suma, a vontade que cada humano carrega em si como pincipio de vida. O papel do Saramago aqui é mais uma vez dar voz aqueles que necessitam, nesse caso mostrar o rosto de todos aqueles esquecidos que participaram da construção desse convento sem sentido. Mas mais do que isso, o livro é a grande vontade do Saramago de nos cativar como sempre. Leitura recomendadissíma. Por Rodolfo Vilar No ano de 1981, numa entrevista para o Jornal O Tempo, Saramago declara: "Acho que do chão se levanta tudo, até nós nos levantamos. E sendo o livro como é - um livro sobre o Alentejo - e querendo eu contar a situação de uma parte da nossa população, num tempo relativamente dilatado, o que vi foi todo o esforço dessa gente de cujas vidas eu ia tentar falar é no fundo o de alguém que pretende levantar-se. Quer dizer: toda a opressão económica e social que tem caracterizado a vida do Alentejo, a relação entre o latifúndio e quem para ele trabalha, sempre foi - pelo menos do meu ponto de vista - uma relação de opressão. A opressão é, por definição, esmagadora, tende a baixar, a calcar. O movimento que reage a isto é o movimento de levantar: levantar o peso que nos esmaga, que nos domina. Portanto, o livro chama-se Levantado do Chão porque, no fundo, levantam-se os homens do chão, levantam-se as searas, é no chão que semeamos, é nos chão que nascem as árvores e até do chão se pode levantar um livro Belas palavras, as de José Saramago, porque é exatamente assim que nos sentimos quando começamos a ler as primeiras páginas de Levantado de Chão: Nos sentimos oprimidos; arrastados pelo peso de nossas culpas, essas que na verdade nem sequer existem; sentimos os olhos da opressão e do fascismo a nos dominar conforme enxergamos que a situação em que os personagens se encontram são calamitosas. Somos esmagados pelo simples desejo oprimido do querer fazer mudança, e não conseguir. Há um tempo atrás, logo quando dei inicio a me aventurar nos clássicos da literatura, me deparei com um livro chamado "Cem anos de solidão". A descoberta dessa obra me deixou desalentado, não somente porque era algo fora dos meus padrôes de leitura como também porque aquilo me devastou, me deixou cansado e perdido dentro de mim mesmo por experimentar tamanha fotografia de algo ou alguém. Quando li Levantado do chão essa mesma sensação ressurgiu em mim.Não no sentido de que tenha sido uma leitura complicada, apesar de ser nesse livro que Saramago inicia sua escrita peculiar, com poucas pontuações e à frente de seu tempo, não. Me senti novamente estranho porque senti que o autor queria nos teletransportar para o mesmo ambiente de seus personagens, de sua terra, de suas criações e críticas. Ler Levantado do chão foi algo como experimentar estar amarrado a um sentimento de revolta interna, mas na verdade não poder fazer nada. Para quem não conhece, Levantado do Chão, publicado inicialmente em 1980 e sendo o terceiro romance de José Saramago, conta a história da geração dos Mal-tempo, uma família que vive pelas bandas do Alentejo, um dos pequenos povoados de Portugal, e que sofre os males da repreensão fascista dentre o século XIX e XX. Por se tratar de assuntos um tanto "polêmicos" para aqueles que são delicados com a política, o romance irá tratar de vários aspectos políticos e sociais da população que ali vive, essa prestativa aos trabalhos advindos do latifúndio. Sendo assim, o que José Saramago pretende é dar voz ao lado da história que não teve vez, mostrando o lado oprimido daquelas famílias que viverem sobre constante repreensão das politicas fascistas que obrigavam e não viam o trabalhador da terra como um sujeito de direitos igualitários, abominando assuntos como o comunismo, direitos trabalhistas, greves e etc.. Por isso que o livro é repleto de aspectos da história politica de Portugal, o que faz com que o leitor pelo menos tenha em mente o significado de alguns dos temas citados para situar os primórdios das criticas levantadas pelo autor. Além disso, Saramago consegue retratar as características culturais de seu povo, seus costumes, as tradições populares e as velhas histórias contadas nas rodas familiares e transmitidas de geração á geração. Apesar do livro ter passagens bastante pesadas, o autor conseguiu nos transmitir um sentimento de esperança que nos renova até o fim do livro, onde o ápice do livro se dá com a futura geração dos Mal-tempo, que reflete os aspetos da nossa sociedade atual. Mesmo escrito em 1980, o livro ainda continua bastante atual em seus assuntos tratados. Uma leitura necessária para qualquer um e que vai te transformar num ser humano melhor. Cada vez me sinto mais apaixonado pela literatura humanista do Saramaguinho. Por Rodolfo Vilar
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April 2021
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