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São Bernardo: Ou o romance de posse | Graciliano Ramos

1/26/2018

 
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ImagemCartaz do Filme "São Bernardo" de 1980.
Na contracapa da edição de 1996 de São Bernardo da editora Record, temos a foto de Graciliano Ramos sisudo, com um cigarro na mão a ler algum volume que por ali encontrou jogado, pegando-o apenas, quem sabe, para criar uma atmosfera intelectual a foto que tanto lhe caiu bem. Sua presença é séria, magistral, elegante e um espelho de seus romances: algo conciso, direto e extremamente enxuto, o que faz de sua pessoa e de sua característica a marca forte de sua personalidade. O enredo de São Bernardo demonstra exatamente essa forma tão crua como o autor tratava o texto, deixando-o mesmo assim tão magnifico de detalhes, retratos e especificidades que não é à toa que tal obra tornou-se a mais esplendorosa obra de sua carreira.
​
Publicado em 1934, onde seus primeiros rascunhos vieram a luz na solitária sacristia da Diocese de Palmeira dos Índios em Alagoas, São Bernardo é considerado o mais fantástico livro que possa se tratar sobre a solidão do homem e como essa pode de certa forma modificar o sujeito e a tomada de seu destino. Apesar de ser um romance curto, a obra tratará sobre a vida de Paulo Honório, homem do campo, decidido a ganhar da vida aquilo que ela logo cedo não a proporcionou. Homem de negócios, Paulo Honório, com um toque de sua pequena arrogância, consegue as posses da Fazenda São Bernardo onde daí almeja construir sua ilustre vida, isso incluindo um casamento e o lucro de seus bens. São Bernardo não somente traça o perfil do latifundiário da Zona da mata das Alagoas, como também deixa claro um pouco da história do estado, assim como também do Brasil: as dificuldades do homem que vive preso ao dono das grandes terras mal distribuídas, ao início dos primeiros primórdios da ditatura, assim como as pequenas revoluções políticas da época. Paulo Honório é o retrato do homem ganancioso, egoísta e um tanto machista, tanto até que na forma narrativa, assim como um deus, é pelo olhar desse homem que somos conduzidos nas artimanhas de seu destino coeso e prolixo, daí então o título desse artigo, já que o tema central, na minha opinião de mero leitor, é exatamente “a posse” do personagem como voz e condutor de seu destino que constrói o enredo como um todo.

A narrativa começa exatamente no ponto em que Paulo Honório está a escrever um livro, esse que irá narrar os acontecimentos de sua vida. Assim, direto, sem voltas, somos inseridos dentro de sua narrativa com apenas um ponto de vista, o dele, o que já demonstra de cara que a primeira posse de sua personalidade se dá através da perspectiva da narração, já que, sem opções, somos instigados a olhar através dos olhos do homem, esse narrador autoritário, conciso e que não aceita a intromissão de outras vozes dentro da principal que é a sua. O que seria essa característica? Apenas a forma clara e direta como o próprio Graciliano escrevia ou, de uma forma humorística, seria o próprio autor usando de sua linguagem especifica para criticar aqueles que o criticaram?
 
A ideia de posse continua quando Paulo Honório consegue através de duras negociações a propriedade São Bernardo, o que para o enredo é o ápice dos fatos, é onde a problemática começa, já que a aquisição das terras equivale ao traço característico do desenrolar do fio, lembrando que o plot da história se destoa exatamente por tratar-se não da saga de um herói, coisa típica da época em que o livro foi escrito, mas sim da história de um anti-herói, esse que narra suas próprias conclusões e destinos. Após conseguir realizar o seu sonho, lembrando sempre de sua vida dura e dos ganhos de suas conquistas, Paulo Honório pensa em casar-se e constituir família, onde entra a figura de Madalena, professora, moça virgem e educada a frente de sua época. Essa personagem é caracterizada pela sua forte personalidade e causar nos homens um certo incômodo, já que uma mulher inteligente é considerada por alguns como perigo ou mesmo uma fantasia de consumo. Madalena aqui pode ser tida como o ideal de futuro, de revolução, o que para Paulo Honório é algo a ser conquistado como um pássaro preso em uma gaiola.  A terceira ideia de posse acontece quando ambos se casam, uma vez que Madalena aceitar viver submissa a Paulo. Esse casamento é o verdadeiro desencadear de problemas para o enredo, já que nesse ponto a história toma outro rumo. O destino de Madalena está nas mãos de Paulo Honório, onde o ideal feminino e masculino se submetem ao processo de casamento. É nesse fator que se encontra a quarta ideia de posse, a do destino, onde nosso anti-herói passar a controlar o destino daqueles que o rodeiam, um tipo de controle que está presente não na forma dominante, mas sim de consequências, onde suas escolhas irão refletir no destino das pessoas que estão próximas a Paulo Honório. Não é à toa que o livro é considerado como o maior romance sobre a solidão, já que ele predomina em várias partes do livro: a escolha em escrever sozinho sua própria história, a fuga da solidão pelo casamento, como a desconfiança e as escolhas também levam a essa fatalidade do destino, o estar sozinho.

Graciliano Ramos consegue muito bem descrever o sertão dos seus olhos, não como Guimarães Rosa que usa de sua linguagem para enaltecer tal cenário, mas sim de forma crua, onde a aridez se faz presente como um palco em que os personagens circulam. Viçosa, cidade interiorana das Alagoas, se faz presente em suas plantações de algodão, em seu comércio miúdo, em sua população pequena, dando voz a pequenas características que faz do homem sertanejo dono do ambiente em que reside.

A obra foi adaptada para o cinema através dos olhos do diretor Leon Hirzsman no ano de 1980, onde conseguiu muito bem captar a essência do caráter dominador e autoritário de Paulo Honório, fazendo de diversas formas com que essa forma anule o destino a ser construído. 





​Por Rodolfo Vilar

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