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Durante um processo criativo para um livro que escrevia, o amigo George chegou e disse "Vá lá, ler Lêdo Ivo. Depois você entende o porquê da indicação!". E dito e feito amigo George, eu entendi o motivo da esplêndida indicação, já que ela, a leitura, e ele, o autor, me transformaram num novo leitor. Sim, eu acredito que livros nos mudem, não todos, mas sim aqueles que mexam de uma forma mais profunda, nos esmurrando a alma, nos levando a um estado de ressaca literária e íntima que nos obriga a mudar como ser humano. As leituras nos levam a uma intimidade que mexe com aquele pequeno ponto preciso em nossa alma, como se, numa invasão, conseguíssimos nos enxergar nus, livres de expectativas e tão conectados com nossa própria essência, que a leitura, motivada por experiências pessoais, se transforma num estado mutável de criação de nossa própria personalidade. Ler Lêdo Ivo foi trazer à tona um sentimento que estava meio que enterrado dentro de mim, sufocado pelas areias das recentes contemporaneidades de nosso mundo, e apenas em NInho de cobras foi possível ressuscitar esse sentimento de raiz, de conexão com minhas origens e todo o processo que já tinha passado ao iniciar o meu romance que estava em desenvolvimento. Por isso, obrigado George, você me salvou de algumas modernidades mesquinhas à cerca da leitura.
"Ninho de cobras", um dos poucos romances de Lêdo Ivo, é ambientado na capital de Alagoas, Maceió, durante a época da ditadura militar de Getúlio Vargas. A ambientação desse romance não é um acaso, já que fortemente somos golpeados por diversas metáforas que denotam a censura e a opressão política da época. O romance, que na verdade também pode ser considerado um conjunto de contos como o livro "Vidas secas" de Graciliano Ramos, mostra diversas histórias que ao longa da narrativa irão se conectando de uma maneira a prender o leitor a entender até onde esse enredo pode ser levado. Porém, diferentemente da secura narrativa de Graciliano, Lêdo Ivo irá nos conduzir a histórias cruéis a sua maneira, envolvidas numa atmosfera poética e simplista sobre diversos personagens que captam a atmosfera de uma cidade litorânea, opressora e vívida como só em Ninho de Cobras. A trama se desenvolve com seu capítulo inicial intitulado "A Raposa", quando esse pequeno animal saí de suas origens selvagens e resolve dar um passeio pelo centro da cidade (Naquela Madrugada, uma raposa havia descido até a cidade...), onde indevidamente e cruelmente é morta a pauladas por um guarda local. A partir desse fato inicial diversos personagens irão emergir do enredo, desenvolvendo suas histórias e críticas num desenrolar quase frenético que levam o leitor a ficar preso por páginas e páginas de aventuras deliciosas e com cheiro de maresia, açúcar e prostituição. Conhecemos o Prof. Serafim Gonçalves, o homem mais gordo das Alagoas; O suicida, ou não, Alexandre Viana, que, enclausurado na sua própria vida, decidi sair dela através de um jogo poético ao suicídio; A mulher do roupão, que inesperadamente encontra-se acamada num leito do hospital com doenças sifilíticas em consequência da sua vida cruel e prazerosa; o homem do balcão, que representa aqui o conceito do homem liberto ou não de seu pragmatismo e que por conta das consequências dos outros faz sua vida se encaminhar ao ponto final e apogeu de Ninho de cobras; assim como tantos outros personagens e lugares que dão vida ao romance mais emblemático e poético de Lêdo Ivo. Ler "Ninho de cobras" é conhecer as alagoas de um tempo não tão remoto e sem as analogias que muito utilizam para explicar um pouco sobre nosso estado. Ler "Ninho de cobras" é conhecer o sintoma de saudade de um autor que viveu por aqueles bairros, que se enveredou pelo Jaraguá, pelo cemitério local, os portos locais e se dedicou, milimetricamente, a entender um pouco sobre nossa história. Aqui precisamente uma cidade massacrada pela ditadura da época, que representada pela Raposa, um animal livre (precisamente uma metáfora para a liberdade de expressão) é morta a pauladas como um animal sem prestígio e sem lugar no mundo. Da mesma forma seus outros personagens, que numa linguagem metafórica, representam os diversos pensamentos críticos do autor: a opressão da burguesia (O professor Serafim), o sentido da vida (Alexandre Viana), as mulheres do mundo e seu papel na época (A mulher do roupão) e a grande opressão ao homem da época (O homem do balcão), que representa não só a crueldade física, mas também intelectual ao ponto da repreensão. A própria linguagem se transforma num personagem, já que com o decorrer da leitura as palavras parecem ganhar vida, saltando aos olhos do leitor e bailando livremente como apenas acontece na literatura de Lêdo. Ler Ninho de Cobras foi me conhecer um pouco mais como alagoano e nordestino. Foi conhecer um pouco mais sobre nossa história e trazer à tona um assunto que está se tornando tão recorrente e atual: a opressão à liberdade de pensamento. por Rodolfo Vilar.
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April 2021
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