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Caim | José Saramago10/19/2020 Um dos seus últimos romances, foi em 2009 que Saramago nos acalentou com a publicação de "Caim", livro que seguindo a ideologia do "Evangelho Segundo Jesus Cristo", e não tendo medo da exposição que sofreria e do aumento de seus odiadores, iria fazer mais um burburinho nos meios literários de sua época.
Como uma forma de reinterpretar o velho testamento da bíblia, Saramago nos dá a honra de conhecer a história de Caim e Abel, que assim como a criação do mundo e de seus pais, Adão e Eva, está toda escrita através de seu olhar e de sua experiência no mundo como ateu e experimentador dos princípios de ter essa posição de fala para nos narrar tal história. Nessa narrativa acompanhamos a história do primeiro assassino do mundo e odiador de Deus, pois já que através da insatisfação de Caim, o vemos cometer o pecado da morte contra seu próprio irmão. Como castigo Deus não o mata, mas sim o marca com um sinal e o entrega a sua própria sorte para conseguir sobreviver no mundo víl e cruel. E é essa sobrevivência e vida de Caim sem a proteção de seu deus que acompanhamos. Saramago percorre usando os olhos de Caim as grandes passagens da bíblia, numa grande odisseia onde encontramos Sodoma e Gomorra, Noé, Lilith, e tantos outros personagens, numa viagem entre passado e futuro para mostrar as faces do velho testamento e as as filosofias de Caim através de seu olhar. E também como no Evangelho Saramago mostra Deus como um grande vilão, sarcástico, apostando as suas criações como um jogo de sorte e azar. Para os fãs de Saramago mais uma obra subliminar, onde mostra o poder do autor em sua linguagem única, em seus pensamentos contemporâneos e para quem despir o olhar cristão do obra, uma narrativa inenarrável sobre a nossa própria evolução sobre o mundo, sobre o feminino e sobre o conceito de certo e errado. Rodolfo Vilar
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A Viagem do elefante | José Saramago10/2/2020 Já com uma longa carreira, em meados de 2007, Saramago está prestes a lançar um novo livro, dessa vez inspirado na viagem de um simples elefante de um país a outro. Entremeado de sua experiência e de suas próprias viagens pelo mundo em busca de dar conta de suas entrevistas, lançamentos e participações em eventos, José Saramago se enxerga nesse simples animal, à imagem do autor que muitas vezes é carregado como um objeto de um lugar a outro, na simbologia de um animal de boa memória e retrato de sabedoria acumulada. Ainda em 2007 vemos um Saramago convalescente, acamado de decorrência de suas saúde já debilitada e que fica registrada no documentário "José e Pilar", mostrando a sua fragilidade como humano e como escritor.
O livro oficialmente foi lançado em 2008, e narra a história do elefante Salomão, animal dado de presente ao arquiduque Maximiliano da Áustria pelo Rei de Portugal , Dom João III. A história toda é o trajeto desse elefante saindo de Belém (Lisboa) até a Áustria. Durante a narrativa acompanhamos a viagem pelos olhos do elefante Salomão e de seu conarca, Subhro, que sem autonomia em seus próprios destinos , apenas seguem o rumo no qual o seu dono os propõe. Para José Saramago o livro é mais um conto que realmente um romance, já que a história não fornece as características de um romance, não possui reviravoltas ou tramas complexos, mas sim apenas os diálogos e fluxos de consciência desses dois personagem a caminharem sobre um destino. Como dito, A Viagem do elefante é uma grande metáfora sobre a vida humana e o caminho que percorremos em nossos longos dias, principalmente daqueles que são tidos como "objeto" ou "mercadoria" (a própria profissão de escritor) e não são prezados pelo seu devido valor/percurso. O livro é uma grande metáfora sobre a fragilidade do autor como humano. Por Rodolfo Vilar As pequenas Memórias - José Saramago5/13/2018 Diferente dos outros livros de José Saramago, As Pequenas Memórias representa para o autor a volta a sua infância, as lembranças de um tempo distante, que perceptivelmente são espremidas da mente de seu criador e que, de tão singelas e bem construídas, tornam-se a essência de quem José Saramago se tornou.
Publicado inicialmente em 2006, Pequenas memórias é o relato do passado do autor, que através de fatos, curiosidades e uma verdadeira fotografia, fazem dessa obra a perspectiva de um menino sonhador, com medo de seus monstros e de suas perseguições tornar-se quem de fato ele foi. "São histórias familiares, ora alegres ora dilacerantes, sobre os primeiros quinze anos de vida do escritor" diz a capa de seu livro. O espetacular em ler tal obra é conhecer mais profundo o essencial de Saramago, que permite-se através desses relatos meio que se alto analisar a entender quem foi de fato e quem sabe até a explicar alguns motivos de seu fado em ser escritor. Não é à toa que quase no fim dos relatos conhecemos um pouco de alguns aspectos que o levaram a dar características em suas obras, o que nos alimenta de nossa curiosidade em seu processo de criação. "Nesse retorno a infância, nesses fragmentos de memória, nesse reviver de sensações, medos, humilhações, está a matéria bruta com que se forjou o adulto José Saramago. Relatar com a infância, prescrutar o menino que sempre viveu dentro dele valeu amplamente o trabalho de ser contado." por Rodolfo Vilar AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE | JOSÉ SARAMAGO12/13/2017 E no dia seguinte ninguém morreu... Um tanto magoada pela arrogância dos homens, a morte (com inicial minúscula mesmo) decide tirar um tempo de férias e não matar mais ninguém. O caos logo se estabelece em vários aspectos e níveis, uma vez que sem a morte a taxa de natalidade apenas tende a crescer, criando o famoso caso da superpopulação: aumentando a lotação e o caos nos hospitais, uma vez que aqueles que estão em péssimas condições não passam “dessa para melhor”; aumentando o trabalho para os enfermeiros em casas de repouso para velhos e inválidos; dando crise as funerárias que não exercem mais a função de dar o descanso aos mortos e fazendo da maior instituição, a Igreja, um caso de descrença, uma vez que sem morte não há a promessa de ressurreição e sem ressurreição não há igreja. Dentro desse enredo misturado com um toque de humor, José Saramago dá voz a mais uma fábula moderna de nossos tempos, dessa vez dando importância a temas mais específicos: A morte, o tempo, as necessidades humanas e as constituições hierárquicas. Durante toda a leitura apenas uma pergunta permanece na cabeça: por qual motivo a morte deixou de matar as pessoas? É esse o mote que dará a ideia e a curiosidade central do livro, já que após conhecermos as consequências da falta de falecimento, apenas o que nos permeia a mente é descobrir o motivo que deixou que um fato tão importante, morrer, um processo biológico condicionado ao ser humano e fadado nas nossas mentes como destino para todos, deixou de acontecer. É com essa pergunta chave que Saramago irá nos abrir a mente para pensarmos sobre o tão fatal destino humano, uma vez que somos contestados a todo momento sobre esse processo, não no sentido de fim, mas sim mais como um sentido de dúvida e medo. Saramago traz à tona a ideia de que não exatamente a morte é algo externo, como algo que está à espreita para nos alcançarmos e sermos fatalmente barganhados pela ceifa, mas sim da morte como algo interno, em que nós mesmo já somos a morte, cada qual possuindo a sua de maneira individual, habitando ela nosso ser. Apesar da morte aqui no livro ser tratada como uma mulher, já que calculadamente nesse gênero ela desempenhará uma função, ela própria, a morte, filosofa sobre o sentido de outra morte, aquela mais universal e única que retrata exatamente esse sentido proposto pelo autor de que não se trata de algo à caça de algo, mas sim de algo naturalmente destinado a raça humana. Muitos autores já trataram da morte de várias maneiras, mas somente Saramago nesse volume, consegue tão bem, e aqui comparado ao método Kafkiano de contar histórias, criar um arrebatamento que leva ao enlaço da criação de um tema tão especifico. A partir desse ponto, já que Saramago sempre retorna ao seu método do “E se?”, tirando os seus personagens do comodismo de suas vidas, ele irá tratar de assuntos impertinentes, que permearão vários momentos do livro e que tocarão de maneira especifico em cada leitor. Após o colapso que a falta da morte causa na humanidade, Saramago deixa bem claro como ainda assim é possível encontrar brechas nos sistemas (Capitalistas, empresariais), brechas essas que não somente podem desmoronar com algum acontecimento (nesse caso a falta de morrer), como também as brechas para aqueles que podem ser mais espertos e se darem bem com a situação. De toda maneira fica claro como a humanidade é presa pelos sistemas de modo geral, tanto os burocráticos como os financeiros, fazendo de nossas vidas um reflexo do mundo como um todo. A Igreja que desmorona com a falta de fiéis, os seguros de vida que entram em crise após ninguém mais morrer, a maphia (gangue para aqueles que querem morrer de forma clandestina) que se torna um novo tipo de sistema capitalista são apenas exemplos dos processos criados por Saramago. De forma resumida, aqui trata-se de demonstrar que até mesmo num sistema bem complexo e seguro ainda pode existir brechas e falhas, principalmente quando se existe o poder da corrupção para suas barganhas. Outro ponto quando se trata da morte é a questão da Eutanásia, que no livro é tratada através de um personagem idoso que, por não aguentar mais sofrer, escolhe pela sua própria vontade morrer de maneira técnica, já que a falta da falência apenas acontece num país especifico, ainda sendo possível morrer para aqueles que atravessarem a fronteira da cidade. De maneira especifica e critica, Saramago toca no assunto tratando da opinião dos demais quanto ao tema, tendo aqueles que o acham um escândalo e outros favoráveis, já que muitos tratam da situação não como uma escolha, mas sim um verdadeiro crime a vida. Mas sendo uma escolha individual, que crime seria esse? Com um humor negro, carregado de críticas e filosofias mais profundas, Saramago conseguiu mais uma vez criar uma história que toca em nosso âmago. Seus personagens são profundos ao ponto no qual eles nos transmitem suas essenciais, são sentimentais ao ponto de nos transmitir seus sentimentos e essenciais na medida que nós o conhecemos. Até que enfim, quando a história ganha um corpo mais denso e ilustrativo, finalmente descobrimos o porquê de no dia seguinte não morreu ninguém. Por Rodolfo Vilar Primeiro foi preciso estar cego para somente assim se enxergar. Depois foi preciso entender essa cegueira para enfim se calcular que a lucidez está no processo de abrir os verdadeiros olhos. Ao abrir os olhos se percebe que o mundo no qual estamos inseridos está de uma maneira tão confusa de suas diretrizes que nada mais faz sentido. Qual resultado então? Usar do estado da "brancura" como forma de protesto.
Em "Ensaio sobre a Lucidez" mais uma vez somos inseridos num pais/cidade alegórico para ilustrar as ideias de um autor. Se José Saramago já tinha um poder político em seus livros, nesse é que ele destila todo o seu poder de discurso para dar voz as diversas ideias que sempre o fizeram da persona que foi. Para alguns isso foi um defeito, já que o livro se torna de certa forma um pouco denso devido ao tema abordado, mas deve-se pensar que se torna impossível não tratar-se de política sem ser denso e didático o suficiente para que não se haja enganos quanto a ideia que deva ser passada a frente. Em suma, já demonstrando o poder do livro, "Ensaio sobre a Lucidez" trata-se não somente de mais um episódio epidêmico de algo anormal que está a se suceder, mas sim sobre uma verdadeira crítica a política contemporânea que nos faz instrumento de suas vontades egoístas. No dia marcado para ocorrer as eleições, a chuva densa está a atrapalhar que os eleitores saiam de casa e exerçam seus direitos ao voto, fazendo com que todas as sessões eleitorais encontrem-se vazias durante boa parte da manhã. Até ai tudo normal, mas não ao ponto em que essa mesma chuva não se torna mais um problema e durante todo o decorrer do dia registra-se que boa parte da população da cidade não compareceu as urnas como devido, fazendo com que os registros deem pela presença de uma anomalia que está a acontecer: os cidadãos estão abandonando o exercício de eleitor. Não para menos, um segundo turno é produzido com o intuito de se corrigir tal abuso à democracia, fazendo com que mais uma vez se registre que não apenas existe a falta do compromisso dos eleitores, mas sim também que boa parte da população (mais de 80%) votou em branco. Com isso a cidade entra em caos, os políticos (sendo esses os partidos de direita, esquerda e do meio) veem isso como uma afronta ao processo democrático, já que necessariamente se precisa escolher alguém como representante do poder governamental. Só resta para o próprio governo encontrar um bode expiatório que explique as causas para que tal fenômeno tenham ocorrido. E é a partir daí que muitos leitores ficaram revoltados com o romance de Saramago. Por se tratar de um voto em branco, onde Saramago irá chamar os personagens que exerceram essa escolha de brancosos, que possivelmente ele ligou essa brancura ao da cegueira em "Ensaio sobre a cegueira" (leia sobre a resenha desse livro aqui). Exatamente, esse livro nada mais é que a continuação do famoso "Ensaio sobre a Cegueira" escrito em 1995, onde gerou uma certa polêmica por se tratar de assuntos tão filosóficos sobre o sentido da vida. Nove anos depois Saramago faz um link desse novo livro ao seu antigo sucesso de vendas, isso no sentido de dizer, assim como no enunciado desse texto, que após a epidemia da cegueira que mostrou aos outros o sentido de enxergar a vida, a brancura dos votos também representa aqui o papel da lucidez em escolher a maneira certa de dizer sua opinião sobre os processos democráticos que na verdade não tem nada de democráticos. Com o passar da história vê-se as consequências da decisão desse voto em branco, sendo que na verdade (pasmem) as reações estão voltadas bem mais ao próprio governo, por ter sido feito de palhaço, que pela população, que continua sua vida pacata sem demonstrar o caos que a máquina do governo estava calculando acontecer. As ruas continuam limpas, os acidentes, assim como a justiça, são assistidos pela própria população que se vira ao máximo como comunidade para fazer as coisas acontecerem, já que como inevitável, o governo os abandonou para encontrar uma solução ao problema. De uma forma bem didática Saramago deixa explicito suas ideias sobre política de uma maneira à tratá-la como um certo problema no mundo atual em que vivemos. Ler esse livro, como eleitor brasileiro na crise em que vivemos (2016-2017), é trazer à tona o forte sentimento de decepção que sofremos com a política de nosso país. Para Saramago, o processo democrático atual não tem nada de democrático, uma vez que alimentamos apenas a máquina do governo para a realização de seus próprios interesses. Além dessa crítica, Saramago mostra o papel da mídia como um certo vilão ao servir de fantoche ao transmitir aquilo que seja favorável ao papel da instituição governamental. O fim, se é que podemos chamar aquilo de fim (e sim, esse foi o único ponto que me deixou triste) é bastante insatisfatório, mas isso apenas é uma fotografia alegórica do que seria a justiça quando se trata do governo como um orgão quase divino exercendo seus poderes de cima para baixo. Por fim, quero apenas deixar claro que o livro para mim não foi um estorvo, mesmo ele não sendo um dos melhores do saramago. Por tratar-se de um livro com temática política, muitos poderão achá-lo um pouco enfadonho por tratar de um assunto um pouco delicado, mas nada que o impeça de ser uma fonte magnifica de entender a verdadeira função que ela exerce sobre os indivíduos de uma sociedade que creem serem donos de suas próprias vontades. Leiam Saramago o quanto antes. Por Rodolfo Vilar NAVEGUE POR CATEGORIAS!Para facilitar sua procura, busque abaixo na lista o nome do autor que você procura. AUTORES
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April 2021
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