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Agora: O tudo que conto, é porque acho que é sério preciso. E é preciso se contar histórias, narrar fatos, registrar a diversidade da língua em toda sua oralidade. Transformar a identidade de um povo em documento, o falar de um povo em historicidade. Foi isso que João Guimarães Rosa fez. Na verdade foi mais que isso, foi transcrever o sertão dos seus olhos, do seu coração. Foi dar autenticidade a uma terra que necessitava disso.
Minha meta pessoal era ler o quanto antes Grande sertão: veredas. Precisava ler porque diversos poemas, músicas, filmes, novelas, cantores e apresentações me bombardeavam diariamente com referências a obra do Guimarães. Maria Bethânia em diversas de suas apresentações e álbuns utiliza de trechos e falas de Riobaldo para dar vivacidade ao sertão e ao amor que ela implica em suas canções. Ao ler a biografia de Clarice Lispector recentemente, descobri que a autora era uma fã declarada de Guimarães, assumindo uma paixão por sua prosa e temática. Sendo assim, com tantas referências e admiradores, entendi que já estava mais que na hora de começar a leitura dessa capciosa obra, ainda mais agora que o livro faz parte do projeto #Raízes:LendoBrasileiros promovido pelo Bodega Literária. E daí surgiriam os boatos: Nossa, que você está lendo esse livro! Como você consegue entender essa coisa tão complicada? Juro que não passei da página 20. Definitivamente Guimarães não é de minha ossada. Eu esperava que comentários desse tipo surgissem. Percebi que pessoas que também leram o livro também receberam esse tipo de conversa, e com isso minha opinião foi: A gente só sabe se no alto da montanha faz frio indo até lá. Eu não fui à montanha, mas cheguei ao sertão. Por isso, esse texto poderá ser um pouco contraditório no tempo e em seus verbos, uma vez que estou a escrevê-lo no decorrer da leitura do livro, no ápice das ideias que surgem no decorrer das letras aos olhos. No momento parei na página duzentos, momento esse em que Riobaldo já nos contou como conheceu Diadorim e nos relata o ciúmes que o mesmo tem para com ele. Fato: Não consigo parar de ler de tão bom. As primeiras páginas começam arrastadas, o pensamento de Riobaldo é confuso em seu mosaico de lembranças e causos que parecem aflorar de sua fala apressada e cheia de vírgulas, como que querendo contar tudo de uma só vez. O demônio no meio do redemunho. Aos poucos a narrativa começa a ter forma, o enredo nos vem aos olhos e os causos e causos emendados se transformam numa verdadeira beldade na capacidade oral do narrador. Quando percebemos, nem nos damos conta do tempo da história em que estamos. Outro fato: A leitura não nos deixa cansar, mesmo parecendo arrastada e dada em voltas. O linguajar não é complicado, é uma réplica da escuta de um povo de determinada região, das bandas da Bahia, de Minas, do nordeste. Eu sou nordestino, por isso não senti dificuldade no entendimento de uma interlocução, ajuntamento de palavras ou um adjetivo pra lá de diferente, mesmo em meio a tantas palavras já esquecidas no dicionário. E mesmo que eu não fosse nordestino, pra isso que serve a linguagem, pra fazer a gente entrar num novo nível do pensar, do poder das palavras. Contar é muito, muito dificultoso. Ainda sobre o ‘contar’, temos a visão de Riobaldo como um sujeito que parece estar desabafando com alguém, um homem, um doutor letrado que tem sua confiança e que com isso não o julgará pela história que conta, da mesma maneira quando vamos a um psicólogo e podemos confiar em sua ética e confiabilidade. Depois de um tempo, estamos embrenhados nas veredas da narrativa. Um falar sem fim de um monólogo minuciosamente salpicado de introduções que vão e voltam num tempo incomum para o contador: Um contar que representa particularmente o tempo e as lembranças desse sujeito que tem a sua maneira e seu jeito único de nos introduzir nos seus causos para chegar ao causo principal. Nesses intermédios somos apresentados, de acordo com a visão do narrador, a diversos personagens que entram e que saem da fala de acordo com o seu grau de importância. Personagens diversos e variados, coisa que só parecida me lembrou os livros de Gabriel García Marquez (Cem anos de solidão), João Ubaldo Ribeiro (Viva o povo Brasileiro) ou alguns dos livros de Jorge Amado. Através dos olhos castanhos de Riobaldo conhecemos os olhos verdes de Diadorim, sujeito de bons modos, feições andróginas e apaixonante, que nos ganha nas primeiras tiradas, onde é na impressão de Riobaldo que nos cativa, revelando seu amor pelo sujeito, um amor que impressiona, que nos faz inveja, que é verdadeiro, que ultrapassa a solidez dos personagens retratados em outros livros à cerca do sertão. Isso é até contraditório, tratar da jagunçagem e implicar o amor que eles possuem entre si. Não é preciso sermos um Riobaldo, ficamos também apaixonados na mesma medida que o moço. É Riobaldo quem nos leva a uma profundidade no texto surpreendente, nunca antes vista, fazendo nos perder no labirinto das paisagens, guerras travadas e do cotidiano de um jagunço, de um morador do nordeste, da região nordeste em si. A fala do personagem, fala essa no sentido do contar e da maneira como se conta, oscila entre o fantasioso e o real, um puxar de causos sem fim que levam a outros causos, as vezes até mesmo sendo esquecidos e não se descobrindo um fim para eles. A linguagem é só um fio que permeia a narrativa a ligar os acontecimentos e a nos preparar para seus principais desfechos. Que desfecho? Em uma entrevista realizada por um programa alemão, João Guimarães Rosa declarou que escrever o "Grande sertão: Veredas" foi como uma desafio, um desafio com o próprio capeta, já que muitos dos seus amigos afirmavam que o autor ao sentar-se para escrever sentia-se aflito com o fluir das ideias que vinham a mente, chegando a debater-se no chão e logo em seguida voltando ao estado de complacência, conseguindo o fio da meda para escrever. O diabo é tido em muitos momentos filosóficos da história, fazendo com que o livro seja considerado supra regional ou até mesmo universal, já que trata de questões sobre a fé, divindade, o amor ao próximo e etc. Nessa mesma entrevista Guimarães diz que o seu foco era escrever um grande monólogo sobre o pacto Faustíco, só que no sertão. Na verdade o livro pode sim ser comparado a grandes clássicos como Moby Dick (Nathanael se igualando a Riobaldo, Sertão versus Mar) ou O Fausto de Goethe. O diabo na rua no meio do redemunho. Apesar de tratar sobre o pacto com o demônio muitas vezes, quase fazendo disso um objeto que vai e volta no enredo, o fato principal somente se dá bem no fim do livro, quando entendemos o sentido desse pacto e o sentido do Diabo na rua no meio do redemunho. Encerrei a leitura acompanhando um áudio disponibilizado no Youtube em que Maria Bethânia lê os trechos finais da obra, exatamente no momento de sabermos o destino final de Riobaldo e Diadorim. Foi puramente emocionante. Bethânia em todos os seus erres rasgados a transmitir a emoção necessária para seus personagens. Por fim, indico a leitura de Grande Sertão: Veredas não como uma obrigação, mas sim como uma maneira de conhecer mais o sertão nosso de cada dia (O sertão está em toda parte, seu moço). Diferente de Graciliano ou Euclides da Cunha que enxergavam o sertão em todo o seu cinza e sofrimento, Guimarães nos mostra o seu sertão colorido, vasto, alegre, de companheiros e aventuras. Conhecer o sertão de Guimarães é conhecer o sertão que existe dentro de nós mesmos. Para encerrar, indico a leitura do infográfo do jornal O Estadăo em comemoração aos 50 anos da obra do Guimarães Rosa. O texto, de Lorencio Nossa, tem como ponto de vista mostrar os olhares do sertão atual daquele narrado por Guimarães, Texto maravilhoso que você confere clicando aqui. por Rodolfo Vilar.
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April 2021
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