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Os cachalotes da vida | Moby Dick - Herman Melville

8/6/2016

 
Ler o livro que tenho em mãos não foi algo que surgiu repentinamente, de lapso, do desejo do hoje. A ideia de prescrutar as páginas amareladas de minha edição é uma meta antiga, do tempo das releituras dos desenhos animados, do desejo de conhecer o mar, da leitura apaixonante do Velho e o mar do amigo Hemingway, de querer chegar num ápice de amadurecimento literário do qual eu me sentisse completo. Hoje estou. Enquanto leio as primeiras páginas de Herman Melville estou ciente que preciso enfrentar um desafio, preciso encontrar a minha baleia! Preciso enfrentar Moby Dick!
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É triste saber que Melville não usufruiu dos frutos do seu trabalho. É triste saber que sua primeira publicação não alcançou um faturamento desejado e apenas foi o suficiente para pagar o aluguel e ter alguns meses de folga. Porém, é maravilhoso saber que nosso autor teve uma mente brilhante, a frente de seu tempo e foi tão minucioso em narrar as preciosidades que encontramos em seu livro. Claro que para que isso acontecesse, ele obteve a experiência real de suas aventuras em alto mar, ele observou a vida marítima e de seus companheiros - tão bem descritos em seus personagens e lugares - e conseguiu uma proeza literária que muitos a consideraram fora de seu tempo. Não é à toa que o livro foi abandonado e esquecido à época, só sendo considerado um clássico muito tempo depois do falecimento de seu criador, onde muitos a chamavam de uma história à vangard.
Ao abrir o livro me deparo com a primeira frase "Chamai-me de Ismael!". Sinto-me abraçado com isso. Um novo amigo me é apresentado e estou feliz por dar-lhe minha mão e confiança para ser levado a ouvir (ler) uma de suas histórias. "Chamai-me de Ismael" se torna um dos inícios de livros mais comentados e apreciados pelos críticos. Pra mim não passa de um convite, uma nova amizade que se faz entre o Ismael e eu, entre Melville e eu. Já somos amigos. É gostoso entrar nesse tempo, dentro desse mar e saber primeiramente de tudo que Ismael está a procura de trabalho. O tempo o entendia, o deixa hipocondríaco, e assim como nós, uma aventura o fará mudar de ares, de cores. O que ele precisa é se aventurar no mar, esse berço misterioso que hipnotiza até aqueles que nunca o viram; ele quer não somente trabalhar num barco pesqueiro, mas sim num barco baleeiro onde possa desfrutar de novas experiências, até porque é nos barcos baleeiros onde se encontram os melhores marinheiros e arpoadores, ou seja, os melhores contadores de história. Mas eis que surge do nada, antes de encontrar o barco certo para sua expedição, uma amizade na vida de Ismael que vai mudar completamente a sua maneira de relacionar-se com os demais. Quiqueg é um selvagem, enorme, valente. No rosto podemos contemplar um mapa de tatuagens que o cobre como uma nova pele. Selvagem e aventureiro se tornam amigos e com isso somos embarcados no fabuloso Pequod. 
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Aqui abro um parêntese para explicar o motivo do livro ser considerado uma obra a vangard, o título faz jus. Enquanto avançamos na leitura, somos introduzidos numa teia amalgama de estilos literários peculiares do Melville. Ismael, durante os três anos de viagem à bordo do Pequod, nos conta nada menos que um diário de bordo com todas as experiências em alto mar. O livro nada mais é que uma mistura de conceitos de narração que mudarão e se intercalarão conforme a necessidade do romance. Ele é um romance, na medida que acompanhamos a narração dos fatos ocorridos na vida do Ismael e as aventuras no Pequod; ele é uma enciclopédia, conforme precisamos aprender sobre a vida da marujada, os costumes, as armas do pescador e todos os detalhes pertinentes aos cachalotes; ele é um teatro, quando estamos submersos dentro dos diálogos dos personagens; e ele é um livro de filosofia repleto de reflexões sobre vida e morte, bem e mal, e muitos outros aspectos. É nessa desenvoltura, nessa escala crescente de leitura, que o autor nos prepara para nosso maior desafio: Conhecer o grande cachalote branco!
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É nesse ínterim que somos apresentados ao grande Capitão Acab. Se Ismael é nosso personagem brilhante, observador na natureza, dos costumes e nos trás esperança de alguma forma, o Capitão Acab é nosso antagônico. Ele é fechado, misterioso, um fantasma no navio.Com ele conhecemos nosso próprios medos, o medo humano, a vingança, o desejo de fúria. O Capitão Acab é a personificação de nossa consciência que ao contrário de Ismael que nos mostra o exterior do mundo, Acab irá nos levar para dentro do nosso próprio interior. Quem já leu Vinte Mil léguas submarinas conhece a presença composta pelo Capitão Nemo em seu Nautilus. O capitão Acab é pior. Foi Moby Dick quem, nuns anos atrás, lhe arrancou a perna. É com esse desejo de fúria e vingança cega que ele pretende matar o animal que o fez usar uma perna de marfim, mas pior que isso, o fez sentir vergonha de si mesmo. Vergonha de não controlar a fúria de um monstro. 
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É nesse momento de leitura que eu paraliso. Estou congelado em motivo da contemplação do momento em que me encontro. Só agora percebo que assim como os marujos do próprio Capitão Acab, estou sendo levado pelo motivo de ódio de suas próprias palavras e também desejo caçar Moby Dick. Mas afinal de contas o que é Moby Dick? Literalmente Moby Dick é uma simples baleia enorme em sua brancura e tamanho, dando quase dois Pequod's de altura. É Moby Dick quem causa fúria nos mares e desperta a ira em seus navegadores. Segundo relatos, ela transformou-se num ser demoníaco, perseguidor daqueles que a querem, sendo dotada de um senso de vingança e bravata que a torna um dos seres mais cobiçados e mais difíceis de serem capturados. Sentimentalmente, enquanto voltei a superfície da fúria da qual estive mergulhado, Moby Dick representa a nossa própria perseguição. Temos Moby Dick's em nossa vida. É um Moby Dick quando perseguimos um sonho alcançável. É um Moby Dick quando estamos cegos e não enxergamos a realidade a nossa frente. São Moby Dick's os problemas de nosso Brasil, de nosso mundo. Assim como o capitão Acab, diariamente nos tornamos cegos para alguns fatos que perseguidos sem motivo válido, cegos pelos nossos desejos, nossa fúria e nossa própria realização. É nesse momento do livro que tomamos um susto por estarmos indo na direção do próprio pensamento do Capitão Acab. Percebemos isso até quando seus próprios marujos param e pensam "Por que estamos seguindo essa baleia? Por que somente não pegamos nossas baleias comuns e nossos peixes comuns e conseguimos nosso lucro? Por que seguir a mente louca desse velho capitão?" Às vezes na vida também podemos estar seguindo o sonho de outros em vez dos nossos. 
Em todo o livro a grande baleia branca aparece, se no máximo, umas três vezes. São os momentos mais esperados, mais lindos, mais sublimes e mais de partir o coração. Durante todo o livro somos preparados para esse grande combate e esse grande final entre homem versus natureza. O que narrei aqui não é nem um décimo do tamanho real do livro e de sua experiência, é apenas a superfície do grande mar que o romance é. É uma leitura densa, sem reviravoltas e que deve ser feita de maneira delicada e atenciosa. Não pense que você sairá da leitura sabendo cem por cento tudo que leu. O livro já era obscuro na época em que foi escrito e publicado, e ainda permanece obscuro e sem sentido para aqueles que não o aproveitarem de maneira prazerosa. Por isso deixo aqui o meu convite para você conhecer essa história belíssima e apaixonante. Tenho certeza que depois da leitura você não será o mesmo. Você já terá entendido o peso de sua cachalote. 
Por Rodolfo Vilar
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