BIBLIOTECA
No ano de 1981, numa entrevista para o Jornal O Tempo, Saramago declara: "Acho que do chão se levanta tudo, até nós nos levantamos. E sendo o livro como é - um livro sobre o Alentejo - e querendo eu contar a situação de uma parte da nossa população, num tempo relativamente dilatado, o que vi foi todo o esforço dessa gente de cujas vidas eu ia tentar falar é no fundo o de alguém que pretende levantar-se. Quer dizer: toda a opressão económica e social que tem caracterizado a vida do Alentejo, a relação entre o latifúndio e quem para ele trabalha, sempre foi - pelo menos do meu ponto de vista - uma relação de opressão. A opressão é, por definição, esmagadora, tende a baixar, a calcar. O movimento que reage a isto é o movimento de levantar: levantar o peso que nos esmaga, que nos domina. Portanto, o livro chama-se Levantado do Chão porque, no fundo, levantam-se os homens do chão, levantam-se as searas, é no chão que semeamos, é nos chão que nascem as árvores e até do chão se pode levantar um livro Belas palavras, as de José Saramago, porque é exatamente assim que nos sentimos quando começamos a ler as primeiras páginas de Levantado de Chão: Nos sentimos oprimidos; arrastados pelo peso de nossas culpas, essas que na verdade nem sequer existem; sentimos os olhos da opressão e do fascismo a nos dominar conforme enxergamos que a situação em que os personagens se encontram são calamitosas. Somos esmagados pelo simples desejo oprimido do querer fazer mudança, e não conseguir. Há um tempo atrás, logo quando dei inicio a me aventurar nos clássicos da literatura, me deparei com um livro chamado "Cem anos de solidão". A descoberta dessa obra me deixou desalentado, não somente porque era algo fora dos meus padrôes de leitura como também porque aquilo me devastou, me deixou cansado e perdido dentro de mim mesmo por experimentar tamanha fotografia de algo ou alguém. Quando li Levantado do chão essa mesma sensação ressurgiu em mim.Não no sentido de que tenha sido uma leitura complicada, apesar de ser nesse livro que Saramago inicia sua escrita peculiar, com poucas pontuações e à frente de seu tempo, não. Me senti novamente estranho porque senti que o autor queria nos teletransportar para o mesmo ambiente de seus personagens, de sua terra, de suas criações e críticas. Ler Levantado do chão foi algo como experimentar estar amarrado a um sentimento de revolta interna, mas na verdade não poder fazer nada. Para quem não conhece, Levantado do Chão, publicado inicialmente em 1980 e sendo o terceiro romance de José Saramago, conta a história da geração dos Mal-tempo, uma família que vive pelas bandas do Alentejo, um dos pequenos povoados de Portugal, e que sofre os males da repreensão fascista dentre o século XIX e XX. Por se tratar de assuntos um tanto "polêmicos" para aqueles que são delicados com a política, o romance irá tratar de vários aspectos políticos e sociais da população que ali vive, essa prestativa aos trabalhos advindos do latifúndio. Sendo assim, o que José Saramago pretende é dar voz ao lado da história que não teve vez, mostrando o lado oprimido daquelas famílias que viverem sobre constante repreensão das politicas fascistas que obrigavam e não viam o trabalhador da terra como um sujeito de direitos igualitários, abominando assuntos como o comunismo, direitos trabalhistas, greves e etc.. Por isso que o livro é repleto de aspectos da história politica de Portugal, o que faz com que o leitor pelo menos tenha em mente o significado de alguns dos temas citados para situar os primórdios das criticas levantadas pelo autor. Além disso, Saramago consegue retratar as características culturais de seu povo, seus costumes, as tradições populares e as velhas histórias contadas nas rodas familiares e transmitidas de geração á geração. Apesar do livro ter passagens bastante pesadas, o autor conseguiu nos transmitir um sentimento de esperança que nos renova até o fim do livro, onde o ápice do livro se dá com a futura geração dos Mal-tempo, que reflete os aspetos da nossa sociedade atual. Mesmo escrito em 1980, o livro ainda continua bastante atual em seus assuntos tratados. Uma leitura necessária para qualquer um e que vai te transformar num ser humano melhor. Cada vez me sinto mais apaixonado pela literatura humanista do Saramaguinho. Por Rodolfo Vilar
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"A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas". Esse livro chegou para mim de uma maneira especial, através de alguém especial, e ao todo, tudo se transformou em algo especial. Sua leitura foi ao mesmo tempo uma identificação e um processo de reativar a memória mais antiga, aquela da qual me fez esquecer momentos específicos de minha vida, como por exemplo, o processo no qual me senti um individuo independente e dono de minhas próprias decisões e pensamentos. Você pode está se perguntando: Mas quando foi esse momento? E eu retorno essa pergunta à você. Quando foi que você se tornou mentalmente independente? Quando foi que você quebrou a casca do seu ovo e fez parte do seu mundo? Hermann Hesse, alemão mas naturalizado na Suíça, é um sujeito bastante complexo, o que faz com que nos identificamos com ele de certa forma. Em seus escritos Hesse mistura um pouco de autobiografia, psicanalise e filosofia, o que transforma suas obras em exemplares de puro dinamismo intelectual entre autor e leitor, além é claro, de proporcionar uma experiência de memória tão fantástica que se transforma em individual. O mesmo ele faz com sua primeira obra chamada Demian, publicado inicialmente em 1919 e que se propagou pelo mundo, levando milhares de amantes da filosofia e da psicologia a amarem (ou odiarem) suas obras. Mesmo eu não fazendo parte de nenhuma das esferas da psicologia ou da filosofia, fiquei fascinado pela forma como Hermann escreve seus enredos, uma vez que ele utiliza de suas memórias afetivas e pessoais para dar origem a personalidade de seus personagens e até mesmo as teorias das quais ele aponta. Em 1946 Hesse ganha o prêmio Nobel de literatura. Não mais que merecido. Se fossemos resumir Demian em poucas palavras, teríamos que: essa obra mostra a influência que o autor sofreu com os escritos de Nietzche e a aplicação de seus conhecimentos de psicanálise na elaboração do drama ético e da enorme confusão mental do jovem que toma consciência da fragilidade moral, da família e do estado. E concordo com tudo isso, uma vez que passamos a nós próprios a nos questionar sobre nossa existência conforme nos deparamos com a confusão do personagem. Personagem esse que é a própria exemplificação do nosso estado de confusão e questionamento lá do tempo que éramos adolescente, ou você que ainda é. Em suma, a obra vai nos contar a história de Sinclair (que é o próprio narrador do enredo), um sujeito que vive em meio as suas próprias dúvidas quanto a vida, a sua familia altamente religiosa ortodoxa e passando pelos processos de mudanças da adolescência. É nesse momento que ele conhece um amigo chamado Demian que é a própria personificação do amigo ideal para o ajudar nesse momento tão confuso. Conforme o romance vai se desenrolando, é possível enxergar o desenvolvimento do personagem Sinclair, isso devido a sua amizade com Demian. O que nos deixa surpresos é saber que todo esse drama adolescente vai ser levado a um estado altamente confuso e transcendental. Ler esse romance foi exatamente lembrar-me do meu momento de dúvida e confusão dado pelo "descobrir" que passei durante o fim do meu colegial e inicio da faculdade. Por isso que quando li o livro, entendi o Demian como a própria personificação de sair do senso comum, da quebra do seguir regras, do sair da casca do ovo e entender (ou tentar entender) a vida. Seguir as mudanças de comportamento do Sinclair, que muitas vezes está altamente ligado ao Demian desde do ponto espiritual até o comportamental, é um momento frágil e singelo, que nos trás várias recordações dos nossos próprios processos de culpa, descobrimento e sentimentalismo. Tenho certeza que o livro tocará em cada leitor num ponto específico de sua alma, como uma brasa acesa que saberá o que deve ser atiçado. Apesar das inúmeras referências e alusões bíblicas, o livro é um convite a conhecer a si mesmo através de personagens tão singulares como o Sinclair e o próprio Demian. É como dito nas primeiras linhas, conhecer o caminho para sair da casca do ovo e, durante um processo doloroso de conhecimento, escrutar o caminho próprio na vida, Leitura transcendental e única. Você não será o mesmo após seu termino. Por Rodolfo Vilar
Esse texto corresponde a toda a leitura realizada do romance de Dostoiévski. |