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Saramago e a voz de um povo oprimido | Levantado do chão - José Saramago

9/30/2016

 
No ano de 1981, numa entrevista para o Jornal O Tempo, Saramago declara: 
"Acho que do chão se levanta tudo, até nós nos levantamos. E sendo o livro como é - um livro sobre o Alentejo - e querendo eu contar a situação de uma parte da nossa população, num tempo relativamente dilatado, o que vi foi todo o esforço dessa gente de cujas vidas eu ia tentar falar é no fundo o de alguém que pretende levantar-se. Quer dizer: toda a opressão económica e social que tem caracterizado a vida do Alentejo, a relação entre o latifúndio e quem para ele trabalha, sempre foi - pelo menos do meu ponto de vista - uma relação de opressão. A opressão é, por definição, esmagadora, tende a baixar, a calcar. O movimento que reage a isto é o movimento de levantar: levantar o peso que nos esmaga, que nos domina. Portanto, o livro chama-se Levantado do Chão porque, no fundo, levantam-se os homens do chão, levantam-se as searas, é no chão que semeamos, é nos chão que nascem as árvores e até do chão se pode levantar um livro
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Belas palavras, as de José Saramago, porque é exatamente assim que nos sentimos quando começamos a ler as primeiras páginas de Levantado de Chão: Nos sentimos oprimidos; arrastados pelo peso de nossas culpas, essas que na verdade nem sequer existem; sentimos os olhos da opressão e do fascismo a nos dominar conforme enxergamos que a situação em que os personagens se encontram são calamitosas. Somos esmagados pelo simples desejo oprimido do querer fazer mudança, e não conseguir. 

Há um tempo atrás, logo quando dei inicio a me aventurar nos clássicos da literatura, me deparei com um livro chamado "Cem anos de solidão". A descoberta dessa obra me deixou desalentado, não somente porque era algo fora dos meus padrôes de leitura como também porque aquilo me devastou, me deixou cansado e perdido dentro de mim mesmo por experimentar tamanha fotografia de algo ou alguém. Quando li Levantado do chão essa mesma sensação ressurgiu em mim.Não no sentido de que tenha sido uma leitura complicada, apesar de ser nesse livro que Saramago inicia sua escrita peculiar, com poucas pontuações e à frente de seu tempo, não. Me senti novamente estranho porque senti que o autor queria nos teletransportar para o mesmo ambiente de seus personagens, de sua terra, de suas criações e críticas. Ler Levantado do chão foi algo como experimentar estar amarrado a um sentimento de revolta interna, mas na verdade não poder fazer nada. 

Para quem não conhece, Levantado do Chão, publicado inicialmente em 1980 e sendo o terceiro romance de José Saramago, conta a história da geração dos Mal-tempo, uma família que vive pelas bandas do Alentejo, um dos pequenos povoados de Portugal, e que sofre os males da repreensão fascista dentre o século XIX e XX. Por se tratar de assuntos um tanto "polêmicos" para aqueles que são delicados com a política, o romance irá tratar de vários aspectos políticos e sociais da população que ali vive, essa prestativa aos trabalhos advindos do latifúndio. Sendo assim, o que José Saramago pretende é dar voz ao lado da história que não teve vez, mostrando o lado oprimido daquelas famílias que viverem sobre constante repreensão das politicas fascistas que obrigavam e não viam o trabalhador da terra como um sujeito de direitos igualitários, abominando assuntos como o comunismo, direitos trabalhistas, greves e etc.. Por isso que o livro é repleto de aspectos da história politica de Portugal, o que faz com que o leitor pelo menos tenha em mente o significado de alguns dos temas citados para situar os primórdios das criticas levantadas pelo autor.

Além disso, Saramago consegue retratar as características culturais de seu povo, seus costumes, as tradições populares e as velhas histórias contadas nas rodas familiares e transmitidas de geração á geração. Apesar do livro ter passagens bastante pesadas, o autor conseguiu nos transmitir um sentimento de esperança que nos renova até o fim do livro, onde o ápice do livro se dá com a futura geração dos Mal-tempo, que reflete os aspetos da nossa sociedade atual. Mesmo escrito em 1980, o livro ainda continua bastante atual em seus assuntos tratados. Uma leitura necessária para qualquer um e que vai te transformar num ser humano melhor. Cada vez me sinto mais apaixonado pela literatura humanista do Saramaguinho. 
Por Rodolfo Vilar
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O sair da casca do ovo | Demian - Hermann Hesse

9/22/2016

 
"A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas". 
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Esse livro chegou para mim de uma maneira especial, através de alguém especial, e ao todo, tudo se transformou em algo especial. Sua leitura foi ao mesmo tempo uma identificação e um processo de reativar a memória mais antiga, aquela da qual me fez esquecer momentos específicos de minha vida, como por exemplo, o processo no qual me senti um individuo independente e dono de minhas próprias decisões e pensamentos. Você pode está se perguntando: Mas quando foi esse momento? E eu retorno essa pergunta à você. Quando foi que você se tornou mentalmente independente? Quando foi que você quebrou a casca do seu ovo e fez parte do seu mundo? 

​Hermann Hesse, alemão mas naturalizado na Suíça, é um sujeito bastante complexo, o que faz com que nos identificamos com ele de certa forma. Em seus escritos Hesse mistura um pouco de autobiografia, psicanalise e filosofia, o que transforma suas obras em exemplares de puro dinamismo intelectual entre autor e leitor, além é claro, de proporcionar uma experiência de memória tão fantástica que se transforma em individual. O mesmo ele faz com sua primeira obra chamada Demian, publicado inicialmente em 1919 e que se propagou pelo mundo, levando milhares de amantes da filosofia e da psicologia a amarem (ou odiarem) suas obras. Mesmo eu não fazendo parte de nenhuma das esferas da psicologia ou da filosofia, fiquei fascinado pela forma como Hermann escreve seus enredos, uma vez que ele utiliza de suas memórias afetivas e pessoais para dar origem a personalidade de seus personagens e até mesmo as teorias das quais ele aponta. Em 1946 Hesse ganha o prêmio Nobel de literatura. Não mais que merecido. 

Se fossemos resumir Demian em poucas palavras, teríamos que: essa obra mostra a influência que o autor sofreu com os escritos de Nietzche e a aplicação de seus conhecimentos de psicanálise na elaboração do drama ético e da enorme confusão mental do jovem que toma consciência da fragilidade moral, da família e do estado. E concordo com tudo isso, uma vez que passamos a nós próprios a nos questionar sobre nossa existência conforme nos deparamos com a confusão do personagem. Personagem esse que é a própria exemplificação do nosso estado de confusão e questionamento lá do tempo que éramos adolescente, ou você que ainda é. 

Em suma, a obra vai nos contar a história de Sinclair (que é o próprio narrador do enredo), um sujeito que vive em meio as suas próprias dúvidas quanto a vida, a sua familia altamente religiosa ortodoxa e passando pelos processos de mudanças da adolescência. É nesse momento que ele conhece um amigo chamado Demian que é a própria personificação do amigo ideal para o ajudar nesse momento tão confuso. Conforme o romance vai se desenrolando, é possível enxergar o desenvolvimento do personagem Sinclair, isso devido a sua amizade com Demian. O que nos deixa surpresos é saber que todo esse drama adolescente vai ser levado a um estado altamente confuso e transcendental. 

Ler esse romance foi exatamente lembrar-me do meu momento de dúvida e confusão dado pelo "descobrir" que passei durante o fim do meu colegial e inicio da faculdade. Por isso que quando li o livro, entendi o Demian como a própria personificação de sair do senso comum, da quebra do seguir regras, do sair da casca do ovo e entender (ou tentar entender) a vida. Seguir as mudanças de comportamento do Sinclair, que muitas vezes está altamente ligado ao Demian desde do ponto espiritual até o comportamental, é um momento frágil e singelo, que nos trás várias recordações dos nossos próprios processos de culpa, descobrimento e sentimentalismo. Tenho certeza que o livro tocará em cada leitor num ponto específico de sua alma, como uma brasa acesa que saberá o que deve ser atiçado. 

Apesar das inúmeras referências e alusões bíblicas, o livro é um convite a conhecer a si mesmo através de personagens tão singulares como o Sinclair e o próprio Demian. É como dito nas primeiras linhas, conhecer o caminho para sair da casca do ovo e, durante um processo doloroso de conhecimento, escrutar o caminho próprio na vida, Leitura transcendental e única. Você não será o mesmo após seu termino.   
Por Rodolfo Vilar
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Os Irmãos Karamázov - Dostoiévisk | Final (Resumo oficial). 

9/19/2016

 

Esse texto corresponde a toda a leitura realizada  do romance de Dostoiévski.
Para ler mais textos sobre "Os irmãos Karamázov" acesse: Abertura
Parte I   
Parte II 
 
  Parte III 

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Minha edição da coleção Abril de 1971.
Sem enrolação! Tenho que começar dizendo o que achei sobre o romance: Sensacional, psicológico, intenso, cultural e magnânimo. Não há palavras mais grandiosas para descrever uma das maiores obras primas de Dostoiévisk. Muitos a julgam como Magnus Opum de todas as obras já escritas até sua morte, uma vez que é nela onde Dostoiévski escreve sobre tudo aquilo que já ensaio em outros romances e contos anteriores. "Os Irmãos Karamázav" foi meu primeiro contato com o autor, e sei que muitas pessoas comentam a fabulosa estratégia criado pelo mesmo em Crime e Castigo, não sei o que dizer quanto a isso, mas sei que muitos precisam dar uma chance a uma obra de peso como essa que eu li. Obra lida, mas que anteriormente me fez ter diversos pensamentos como: Será que terei saco para ler? E seu eu começar e desistir de tão chata? Será que Dostoiévski é louco? Sim, Dostoiévski é louco, tanto que escreveu algo parecido com isso, Já quanto achar que a obra me causaria devassidão, isso foi puro engano. Uma vez começado os primeiros capítulos da primeira parte e já submerso nas descrições, críticas e ideias do autor na segunda parte, só consegui largar ao chegar no final de tudo é saber quem verdadeiramente matou papai Karamázov. 
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Algumas - poucas - marcações que achei interessante destacar.
Como dito anteriormente, preciso falar tudo que for preciso neste post. Por esse motivo aviso logo aos desavisados que o texto a seguir poderá conter (ALERTA) spoilers (ALERTA). 

Não sei como deve ter surgido a ideia do autor de criar uma história como a de "Os Irmãos karamázov", mas sei que existe diversas passagens e características que denotam semelhanças do romance com a própria vida pessoal de Dostoiévski. Primeiro que o pai do autor foi brutalmente assassinado quando ele era mais jovem, o que deve ter sido o ponto inicial para que ele tenha implantado a ideia em sua cabeça de criar um enredo sobre a morte de um pai e suas consequências. Esse fato (que não é spoiler, afinal de contas o próprio narrador nos antecipa antes mesmo de começar as primeiras linhas de seu romance) não se torna de maneira alguma piegas, já que "Os irmãos Karamázov" nada mais é que um dramalhão familiar com direito a muitas reviravoltas com respostas espetaculares. Tantas coisas acontecem dentro desse romance que muitas vezes nos sentimos isolados  nos perguntando se realmente estamos entendendo o que está acontecendo. Mas não se preocupem, tudo ao final começa a fazer sentido e um grande clack do estalo da compreensão se fará em sua cabeça. É nesse momento, se é que você já não notou isso, que estamos lendo algo divino e fabuloso. 

Dentro do romance são tantos temas, ações e revelações contadas que seria necessário anos e anos de estudo sobre o livro (Tanto que muitos dissertações e teses são sobre essa obra do Dostoiévski). No enredo cru, que trata sobre esse drama familiar, somos levados a conhecer a família Kamarázov, tão disfuncional e ao mesmo tempo familiar (desculpa a redundância do termo) que passamos de: Conhecer um pai que despreza os próprios filhos e com isso somos levados a discutir a questão do amor de sangue e sentimental, a traição entre pais e filhos relacionado ao amor a mesma mulher, a fé individual de cada um deles (afinal de contas cada personagem tem sua característica diferente) que os leva a cometer as ações ocorridas no romance, e por fim, o famoso parricídio, que é o ponto chave desse livro.

Se fossemos numerar os temas variados citados no romance, ahh, seriam muitos! Posso citar alguns: A fé individual como ponto chave da natureza humana, o psicológico como fonte de cometimento das ações humanas, a crítica a diversos regimes carcerários e a proibição da imprensa que eram praticados naquela época, além de inúmeras citações a diversos outros autores que o próprio Dostoiévski se dizia apreciador (Victor Hugo, Gogol, Tolstói, Hamlet e etc). Durante muito tempo ele foi considerado um autor-psicologo, uma vez que construía narrativas e descrições tão psicológicas para as explicações dos fatos praticados pelos seus personagens que muitos estudiosos e críticos da época o censuravam por levar suas criações a esferas tão profundas quanto a da psique humana. É pesado ler Dostoiévski e não se perguntar várias questões e dúvidas próprias.

Ao começar a leitura somos levados a conhecer tão profundamente a família Karamázov, que nos pegamos criticando as próprias ações dos personagens. Passamos a odiar o Pai karamázov, a se sentir inquieto pela impulsividade de Dimitre, seduzidos pela paixão de Ivan e comprometidos com a visão de mundo perfeito de Aliócha. "Os Irmãos Karmázov" é aquele tipo de livro que mesmo depois de terminada a leitura, sempre levaremos conosco os seus personagens por todo o sempre em nossas cabeças. Dostoiévski era mestre em fazer com que seus personagens pulassem das páginas para entrar em nossas vidas. de tão grande o seu envolvimento da construção e caracterização dos mesmos. 

E o que falar sobre o final? O que falar sobre a ingenuidade de Smiardokov? A cena do delírio de Ivan em seu quarto na companhia de certo personagem? Do poema do "Grande inquisidor"? E de muitas e muitas coisas que o livro trás e que é impossível não anotar para uma segunda leitura.

Ler "Os irmãos Karamázov" foi uma experiência única que me ressuscitou a mesma sensação de ler "Os miseráveis" de Victor Hugo. Senti-me no colo do autor a ouvir de sua própria boca toda a narração. Sensacional. Convido todos a passarem pela mesma experiência, essa tão transformadora que transforma o leitor em um novo individuo. Para fechar tenho que dizer que Dostoiévski tornou-se um dos meus autores favoritos, mas ainda tenho um xodó maior pelo meu querido Tolstói. Ambos, dois autores que sempre farão parte de minhas indicações. 
Por Rodolfo Vilar
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Os Irmãos Karamázov - Dostoiévski | Parte III

9/15/2016

 
Esse texto corresponde aos livros VII, VIII e IX da terceira parte do romance de Dostoiévski.
Leia mais em: Abertura
Parte I  
Parte II
 
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Já passamos da metade do romance, o que significa dizer que aquilo-que-é-spoiler-e-não-pode-ser-dito já aconteceu. Esse penúltimo post sobre "Os Irmãos Karamázov" será provavelmente o último no qual abordarei assuntos e pontos de vista do qual não revelo de maneira alguma spoilers circunstanciais que comprometam a leitura daqueles que apenas procuram por informação. Então deixo avisado de antemão, esse será o último post que você poderá ler sossegado, uma vez que, quando voltar para fechar o especial, já estarei eufórico para comentar os fatos que revelaram o fim desse grande romance. 

Já se passou dois posts sobre o enredo do Dostoiévski e juro (é sério, juro mesmo!) que tentei não falar sobre algo que me incomodou bastante. Posso estar louco ou devotado do espírito de discriminalidade machista, mas houve momentos dentro do livro no qual me incomodaram bastante à respeito do papel das mulheres que levam alguns fatos a se desenrolarem. Tudo bem que existe passagens altas em que o autor exalta o papel que a mulher estará a conquistar na sociedade nos próximos anos em que o livro foi escrito, mas vocês se sentiram incomodados ao descobrirem que boa parte das explicações dadas as ações realizadas pelos irmãos, e pelo próprio pai karamázov, se dá ao fato de haverem mulheres metidas no meio? Veja por exemplo a explicação que envolve a briga entre Dímitre e seu pai? Veja por exemplo as reações que Grutchenka provoca em seus amantes? Tudo bem que essa personagem não tem lá seus pudores e direitos como personagem de boas ações. Tudo bem que as brigas entre pai e filhos também envolve herança e o fato da falta de consideração que o pai teve com seus filhos durante a criação dos mesmos. Mas eu senti um desmerecimento enorme à respeito das mulheres nesse romance, porque elas não passam disso, de protagonistas de romances. Não encontrei até agora uma mulher personagem forte, com princípios, justificativas para ações dentro da trama que explique fatores ou dê aos leitores empatia. Fica injusto tratar de feminismo ou apontar fatores fortes para as personagens de Dostoiévski nesse romance. Quero saber de vocês se também se sentiram um pouco incomodados. (Aceito comentários no espaço abaixo deste post). 

Mas voltemos ao que aconteceu nessa terceira parte.

Nessa parte do livro somos preparados - ou não - para o grande fato, auge, apogeu, acontecimento homérico, desse livro. É nessa parte que precisamos estar atentos quanto algumas informações importantes, ou não, que o narrador irá nos passar. E eita que narrador danado ein. Ficamos confusos com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. São reflexões sobre fé e personalidade, são acontecimentos referentes aos amores proibidos, e são as vinganças premeditadas. Digo logo, nada será como você imagina. No Livro VII temos como foco Aliócha, desde sua perda comentada no post anterior, como também o seu momento de mudança. É nesse momento que percebemos uma mudança (não descrita, mas percebida) em sua natureza, onde o "despertar" para o mundo que fará parte talvez seja a explicação para muita coisa que aconteça. Já no Livro VIII, com foque em Mítia, não conseguimos de maneira alguma largar a leitura de tão intensa, visceral e psicológica. Nesse auge acompanhamos Dimitre em prol de se vingar de Grutchenka - seu grande amor - por o ter abandonado e fugir com um oficial antigo noivo seu. Somos impelidos por raiva, desprezo, demônios e crueldade. Somos fisgados pela narrativa contagiante e thriller de Dostoiévski em nos contar como sua mente é brilhante e astuciosa em prender o leitor. Só lendo para entender. E para finalizar, no Livro XI, de uma maneira bem investigativa e desdenhosa do ponto de vista de Mítia, conhecemos o desenrolar e o inicio do maior suspense entre os irmãos Karamázov que faz desse livro o melhor de todos.

Se você que me acompanha chegou até aqui para compartilhar de suas impressões de leitura, eu tenho um aviso: No nosso próximo encontro prometo não ter papas na língua e comentar tudo que já passamos nesse romance profundo, mental e vivo que Dostoiévski conseguiu criar. Não é a toa que Freud leu esse troço e o usou em seus estudos. É de arrepiar. Então até a próxima. 
Por Rodolfo Vilar
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Os Irmãos Karamázov - Dostoiévski | Parte II

9/11/2016

 
Esse texto corresponde aos livros IV, V e VI da segunda parte do romance de Dostoiévski.
Leia mais em: Abertura
Parte I 
 
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Dostoiévski no prólogo de seu romance: "Ao começar a biografia de meu herói, Alieksiéi Fiódorovitch, sinto-me um tanto perplexo. Com efeito, se bem que o chame meu herói, sei que ele não é um grande homem; prevejo também perguntas deste gênero: "Em que é notável Alieksiéi Fiódorovitch, para que tenha sido escolhido como seu herói? Que fez ele? Quem o conhece e por quê? Tenho eu, leitor, alguma razão para consagrar meu tempo a estudar-lhe a vida?"

Seria de fato Alieksiéi o herói da obra de Dostoiéviski? Até agora não sei dizer com certeza nada sobre isso, mas que Aliócha constituí o personagem principal de "Os irmãos Karamázov" isso posso admitir. Confirmo isso do ponto de vista pelo qual o autor nos conduz dentro do enredo, na forma como esse personagem é tido como um pêndulo que oscila entre todos os outros personagens que circulam dentro da história. O fato é que essa segunda parte do romance é bem retida em focar os aspectos psicológicos de nosso personagem, assim como do mosteiro e de seu mestre, dois pontos importantes de esclarecimento para se entender as atitudes de Aliócha. 

Já tinha comentando isso e, depois de ouvir de outras pessoas a mesma opinião, ficou claro que os grandes autores russos adoram fazer críticas ou levantar questionamentos sobre religião e fé. Dostoiéviski dentro desse livro faz os dois, tanto criticando a questão da fé como um ponto de salvação para a humanidade, ou mesmo a exploração do espirito de bondade que deve ser praticado para a recompensa final do paraíso; como também questionar sobre a própria fé em si, como muitas das cenas em que vemos o próprio Aliócha discutir com seu irmão, e crédulo, Ivan. Após o livro IV intitulado "Mortificações", onde Aliócha presencia a questão do praticar da bondade e é rejeitado de uma certa maneira, temos o livro V chamado "Pró e contra" no qual contém o capítulo mais famoso e criticado da história (O grande inquisidor) em que temos a passagem levantada por Ivã no qual ele proclama que rejeita o mundo que Deus criou porque foi erguido sobre uma base de sofrimento. Esse capítulo, "O grande inquisidor", nada mais é que uma capítulo onde Ivan narra para Aliócha seu poema imaginado que descreve um líder da Inquisição Espanhola e seu encontro com Jesus, que retornou à Terra. Aqui, Jesus é rejeitado pelo Inquisidor que o lança na prisão e depois diz:
Por que achaste de aparecer agora para nos atrapalhar? Pois vieste nos atrapalhar e tu mesmo o sabes. [...] Faz muito tempo que já não estamos contigo, mas com ele [Satã] [...] Recebemos dele aquilo que rejeitaste com indignação, aquele último dom que ele te ofereceu ao te mostrar todos os reinos da Terra: recebemos dele Roma e a espada de César, e proclamamos apenas a nós mesmos como os reis a Terra, os únicos reis [...] mas nós o conseguiremos e seremos os Césares, e então pensaremos na felicidade universal dos homens
O Grande Inquisidor diz que Jesus não deveria ter dado aos humanos a "carga" do livre arbítrio. Ao final dessas discussões, Jesus silenciosamente dá um passo à frente e beija o velho homem nos lábios. O Grande Inquisidor, atônito e comovido, ordena que Ele nunca mais volte ali, e o solta. Aliócha, após ouvir a história, vai até Ivan e o beija suavemente, com uma emoção inexplicável, nos lábios. Ivan grita de alegria, porque o gesto de Aliócha foi tirado diretamente de seu poema. Os irmãos então se despedem.¹

É possível perceber que Aliócha pode não ser o herói de nossa história, mas sim ser tratado como o personagem com mais princípios, mais culpabilidade pelos seus atos e que se importa com a ação praticada pelos outros que o rodeiam. Por isso que considero Aliócha o espirito pensador do enredo, no qual sua consciência trabalha por todos, sendo nesse caso, o guia de seus próprios irmãos. 

Já no último livro, o VI (Um monge russo), nos adentramos em conhecer a historia e a morte do mestre de Aliócha, o Stariéts Zossima, em toda sua complexidade e construção de vida. É nesse capítulo que conhecemos o homem considerado por alguns como santidade pelas suas práticas. Porém quando adentramos em sua história, descobrimos que sua humanidade é bem mais forte e interessante do que sua fase atual onde muitos o consideram como um homem de virtudes indiscutíveis. No final desse capítulo é que Dostoiévski reforça essa questão do "ser humano", quando o "fato final" descrito mostra que por trás de todos nós, dentro de nossa intimidade, é que passamos a ser iguais a todos: em momentos sublimes e em outros verdadeiramente podres.  
1. Retirado da Wikipédia
Por Rodolfo Vilar
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