BODEGA LITERÁRIA

BIBLIOTECA

Do índio à burguesia, um retrato de nossa sociedade | Guaraní & Lucíola - José de Alencar

8/28/2016

 
De um lado temos o índio, o retrato da origem de nosso Brasil, o cru de nossas terras e paisagens, a crueldade do desbravamento; do outro temos a sociedade burguesa, os costumes do cotidiano do século XIX, a luxúria dos amantes. Mesmo com tantas divergências dos princípios de construção de seus enredos, José de Alencar traz em comum um único ponto que liga suas histórias: O amor que faz os homens cometerem loucuras. 

Depois de mais um sorteio para a leitura de obras nacionais para o Projeto Raízes:Lendo Brasileiros, o escolhido da vez foi a obra Lucíola do José de Alencar, e como sabia que também teria de ler O Guaraní, resolver emendar as duas leituras e conhecer de uma só vez a contrariedade entre esses dois clássicos escritos no final do século XIX. Então vamos comentar um pouquinho sobre cada uma das duas. 
Imagem

Publicada originalmente em 1862, Lúciola é a primeira das três obras intituladas com personagens femininos (Lucíola, Diva e Senhora) dos clássicos de Alencar. Além disso é a obra do período urbano do autor, em que ele irá retratar os costumes da sociedade burguesa da época do reinado de Portugal, o que faz com que seus personagens e lugares retratem basicamente os saraus, os bailes, os romances impossíveis e toda uma trama cheia de reviravoltas e muito drama. 


Toda a história é narrada através dos olhos do personagem principal chamado Paulo, moço da capital pernambucana que acaba de chegar a São Paulo e começa a frequentar as festas burguesas junto de seus amigos, o que o faz conhecer pelas forças do destino uma bela moça chamada Lúcia. Mas quem é essa moça tão diferente, tão enigmática e que nos causa questionamentos? Isso não é um spoiler, mas Lúcia é nada menos que uma prostituta muito conhecida das rodas de amigos de Paulo, o que faz com que o sujeito se apaixone logo pela moiçola até o ponto em que ambos os personagens fiquem em pontos críticos quanto aos status em que se encontram. Pela história ser narrada do ponto de vista de Paulo, nos é duvidoso conhecer as características de Lúcia, que se demonstra uma mulher enigmática, fria e que passou por muita coisa na vida para que de certa forma rejeite o amor do ´pobre Paulo. É durante toda a trama da história que ficamos na dúvida sobre as origens de Lúcia e o motivo que a levaram a se tornar prostituta, sendo o final da história o desenrolar dos fatos e o resultado dessa paixão impossível (Prepare os lencinhos para os corações mais sensíveis).

Como todo ingrediente das histórias do período romancista da literatura, em Lucíola temos a história da personagem Lúcia que passa por momentos de profanação, onde sofreu para se tornar o que é, mudança, por estar sofrendo com seu estado atual e querer sair dessa vida imunda; e Sacrifício, onde para conseguir mudar terá que pagar um certo preço pela sua redenção. Por se tratar de um romance escrito no século XIX, José de Alencar traz muitas características dos romances de folhetim vindos da França (sim, ele bebeu muito da água do Victor Hugo, principalmente quando formos falar sobre O Guaraní), o que faz com que toda a historia seja marcada por muito drama e pausas excessivas para suspenses que só se resolverão ao final do enredo. 

A única crítica que faço quanto ao romance, é a forma como a mulher é apresentada aos leitores. Tudo bem que Lúcia passou por poucas e boas para se tornar quem foi; tudo bem que Lúcia também tinha uma certa culpa nas reações que causava em Paulo; mas quando chegamos perto do final da história, quando nossa dama percebe que precisa mudar para ter o que quer, ela assume uma personalidade de culpa tão imenso que causa em nós leitores, uma sensação de que o perdão somente é capaz se a personagem se submeter a um estado de humilhação ou coisa parecida. Tudo bem que a história se passa no séc. XIX e que devemos vestir nossa carapuça de que nessa época tudo era normal, mas isso meio que me incomodou de certa forma.

Tirando esse fato, Lucíola é, dentre as obras urbanas de Alencar, um romance importante para destacar os costumes da época do auge burguês do Brasil, assim como para marcar o período Romancista de nossa literatura vinda dos costumes franceses da leitura de folhetins. 

Imagem

Na minha opinião, achei O Guaraní um livro bem mais elaborado, porém com uma carga bem mais elevada das características dos livros franceses da época. E por que eu digo isso? Porque em O Guaraní percebemos um romance bem mais elaborado, em que o autor irá caprichar nas longas digressões ou em capítulos sozinhos que irão narrar fatos isolados (coisa bem comum, por exemplo, nos livros de Victor Hugo). Não quero dizer que Alencar é um plagiador descarado (mesmo ele tendo sido meio-que-processado-por-Alexandre-Dumas), muito pelo contrário. Mas é inevitável não estabelecer as fontes nas quais Alencar usou para a construção de seus enredos, o qual podemos dizer que ele foi na verdade o percussor desse tipo de romance vindo da Europa. 

Em O Guaraní vivenciamos os conflitos amorosos (romances complicados eram o clichê da época) entre o índio Perí e a moça branca Ceci. A história se passa no ano de 1600, o que nos faz mergulhar numa atmosfera bem naturalista de nosso Brasil colonial. O desenrolar da trama acontece quando o irmão de nossa amada Ceci, mata erroneamente uma índia da tribo dos Aimorés, fazendo com que os parentes da índia morte se rebelem e evoquem sua tribo para destruir todos que pertencem a família Mariz. Perí, nosso índio motivado pela paixão exercida por Ceci, se rebela contra sua própria descendência e defende com unhas e garras a família Mariz, o que fará com que todo o romance seja em torno do desfecho da luta entre homens brancos e selvagens, além é claro, dos diversos romances já marca registrada de Alencar. 

No romance é possível ler enormes descrições sobre as paisagens naturais do Brasil, assim como conhecer vários detalhes e lendas da própria aldeia Aimoré. Não é à toa que Alencar precisou se dedicar enormemente ao estudo das culturas indígenas, o que faz o romance ter várias notas de rodapé com explicações e fontes acerca das características do romance. 

Para finalizar, o que digo é que Alencar conseguiu muito bem mostrar as características de nosso Brasil do século XVII, o que nos faz ter uma viagem ao passado que é fabulosa. O fato do índio Perí ser retratado como um apaixonado pela moça europeia me incomodou um pouco, o que faz com que enxerguemos o índio como um sujeito submisso as vontades de sua dona (há momentos em que ele irá se dizer como escravo de Ceci), o levando até mesmo ir contra sua cultura. A explicação para esse fato, ou seja, para esse romance extrapolado entre branca e índio, é o final um tanto metafórico que o enredo ganhou, explicando que a paixão e sacrifício entre ambos é simplesmente a razão pelo qual o Brasil ganhou suas características culturais e de população da junção do povo europeu com os índios.  

Alencar foi um mestre dos romances e dramas em que envolve as principais características dos períodos coloniais e burgueses de nosso Brasil, daí o porque do autor ser considerado um dos marcos do período Romancista. Entre romances, dramas, paixões impossíveis e a representação cultural de um época, José de Alencar tornou-se imortal e tão reconhecido pela fama e prestígio que alcançou.  
Por Rodolfo Vilar
0 Comentários

    NAVEGUE POR CATEGORIAS!

    Para facilitar sua procura, busque abaixo na lista o nome do autor que você procura. 

    AUTORES

    Todos
    Agatha Christie
    Albert Camus
    Alice Walker
    Amanda Lindhout
    Andre Aciman
    Andre Gorz
    Andy Weir
    Antoine De Saint-Exupéry
    Bernard Cornwell
    Caio Fernando Abreu
    Chad Kultgen
    Charles Bukowski
    Charles Dickens
    Chinua Achebe
    Chris Cleave
    Clarice Lispector
    Dan Gemeinhart
    Daniel Galera
    DesafioInfinito
    Donna Tartt
    Dostoiévski
    Douglas Adams
    Dyonélio Machado
    Edgar Alan Poe
    Elizabeth Strout
    Enrique Vila Matas
    Erico Verissiimo
    Ernest Hemingway
    Felipe Barenco
    Fernanda Montenegro
    Fernando Gabeira
    Flanerry O'connor
    Fred Vargas
    F. Scott Fitzgerald
    Gabriel Garcia Marquez
    George Bataille
    George Orwell
    George R.R. Martin
    Graciliano Ramos
    Gregório Duvivier
    Henry James
    Herman Melville
    Hermann Hesse
    H.G. Wells
    Hilda Hilst
    Holly Black
    Homero
    Ilana Casoy
    J K Rowling
    João Guimarães Rosa
    João Guimarães Rosa
    João Ubaldo Ribeiro
    Joaquim Manuel De Macedo
    John Banville
    John Green
    John Steinbeck
    Jorge Amado
    Jorge Luis Borges
    Jose De Alencar
    Jose Lins Do Rego
    Joseph Heller
    José Saramago
    José Saramago
    Júlio Verne
    Karl Ove Knausgard
    Ledo Ivo
    Léonor De Récondo
    Lev Tolstói
    Lev Tolstói
    Ligya Fagundes Telles
    Lisa Genova
    LS Hilton
    Luciana Pessanha
    Lyra Neto
    Machado De Assis
    Margaret Atwood
    Michael Cunningham
    Michelle Falkoff
    Natalia Ginzburg
    Nelson Rodrigues
    O Hobbit
    Olga Tokarczuk
    Peter Straub
    Philip Roth
    Pierre Boulle
    Rafael Montes
    RAUL POMPEIA
    Ray Bradbury
    Robert Louis Stevenson
    Samantha Hayes
    Sarah Butler
    Seth Grahame Smith
    Shirley Jackson
    Silvia Plath
    Stefan Zweig
    Stella Caymmi
    Stephen King
    Susan Hill
    Susanna Clarke
    Suzzane Collins
    Taiye Selasi
    Thomas Mann
    Tolkien
    Victor Hugo
    Vinicius De Morais
    Virgínia Woolf
    Virgínia Woolf
    William Faulkner
    William Gibson
    William P. Blatty

    Feed RSS

    NÃO TEM O SEU AUTOR AQUI? NOS INDIQUE LEITURAS! 

    Se você procurou algum título ou autor e não encontrou aqui, deixe-nos sua indicação através de um dos links abaixo. No e-mail, nas redes sociais ou nos comentários

    CONHEÇA TAMBÉM:

    JOSÉ SARAMAGO
    -  KARAMÁZOV    -
    DESAFIO INFINITO
    --    ODISSÉIA     --
    Para entrar em contato conosco, utilize o link abaixo e preencha seus campos de email.

    ARQUIVOS

    Dezembro 2020
    Novembro 2020
    Outubro 2020
    Setembro 2020
    Agosto 2020
    Julho 2020
    Junho 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Dezembro 2018
    Novembro 2018
    Setembro 2018
    Agosto 2018
    Junho 2018
    Maio 2018
    Abril 2018
    Março 2018
    Fevereiro 2018
    Janeiro 2018
    Dezembro 2017
    Outubro 2017
    Setembro 2017
    Agosto 2017
    Julho 2017
    Maio 2017
    Abril 2017
    Fevereiro 2017
    Janeiro 2017
    Dezembro 2016
    Novembro 2016
    Outubro 2016
    Setembro 2016
    Agosto 2016
    Julho 2016
    Junho 2016
    Maio 2016
    Abril 2016
    Março 2016
    Fevereiro 2016
    Janeiro 2016
    Dezembro 2015
    Novembro 2015
    Outubro 2015
    Setembro 2015
    Agosto 2015
    Julho 2015
    Junho 2015
    Maio 2015
    Abril 2015
    Março 2015
    Fevereiro 2015
    Janeiro 2015
    Dezembro 2014
    Novembro 2014
    Outubro 2014

Powered by Create your own unique website with customizable templates.
  • BODEGA LITERARIA
    • BIBLIOTECA
    • PROJETOS >
      • DIÁRIOS DE LEITURA
      • RAIZES LENDO BRASILEIROS >
        • Raízes: Lendo Brasileiros (2016)
        • Raízes: Lendo Brasileiros (2020)
      • Saramago: Uma inspiração
    • BODEGAWEEN
    • Epi Logo Existo
    • A BODEGA
  • BODEGA LITERARIA
    • BIBLIOTECA
    • PROJETOS >
      • DIÁRIOS DE LEITURA
      • RAIZES LENDO BRASILEIROS >
        • Raízes: Lendo Brasileiros (2016)
        • Raízes: Lendo Brasileiros (2020)
      • Saramago: Uma inspiração
    • BODEGAWEEN
    • Epi Logo Existo
    • A BODEGA