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Quando crescemos, parece que nossas memórias vão se acumulando num canto bem obscuro da nossa mente, onde apenas são acessadas quando o peso do pincel da consciência sobre um fato o faz emergir com a ligação de uma memória presente. Durante a infância, adolescência e início da fase adulta, esse mesmo recanto da mente parece se organizar de uma maneira em que as memórias linkadas a um fato importante ficarão fixadas na beira desse estoque, como por exemplo, o nosso primeiro beijo, o nosso primeiro salário recebido, a crítica abusiva de um professor e etc., sendo que as memórias menos relevantes perdem o sentido de seus significados e passam a ocupar uma lata de lixo bem especial. É o tecer desses pensamentos e memórias, que criam a nossa experiência afetiva da vida: o gosto da comida da avó, o cheiro do perfume da mãe quando vai trabalhar, a voz do alguém especial. Enquanto estava lendo o livro que será indicado logo a seguir, sentia-me impregnado pelas lembranças de um outro alguém que inacreditável faziam ativar as minhas memórias afetivas, fazendo com que carinhosamente eu sentisse um certo tipo de conexão com a autora, como se fôssemos tão cúmplices em compartilhar memórias, que ela fosse de inspirar confiança no se abrir. Léxico Familiar da Natalia Ginzburg é uma grande colcha de retalhos sentimentais que nos guia no processo do reconhecimento da memória como literatura, uma experiência que não somente nos relata a vida íntima de alguém, mas sim também panos de fundos, camadas, tão bem construídas de outras características que a leitura é mais que leitura, é uma experiência única.
Tido como um livro de não-ficção, Léxico Familiar assemelhasse a um romance no sentido de que, mesmo sendo um livro de memórias, torna-se um tanto poético na forma como descreve os personagens que circulam pelas páginas, assim como os lugares, as sensações e os fatos históricos inseridos como pano de fundo. A autora, que é a voz principal do texto e visão central dos fatos, tece com maestria as memórias de sua família, judeus, antifascistas, que vivem em plena época do fascismo na Itália de Mussolini. Com detalhes bastante específicos sobre cada membro de sua família e amigos, Natalia Ginzburg consegue trazer à tona suas memórias espetaculares que remontam a sensação de estarmos ouvindo as nossas próprias experiências quando jovens e adultos que nos sentimos. Em meio a essas memórias, de forma subliminar e não direta, Natalia insere o cenário fascista e ditador de sua época, onde nos mostra o fantasma de seu passado obscuro por perseguições, dogmas e incertezas. Escrito em 1963, o romance tem como papel trazer de volta a intimidade, as vozes de um passado que se faz necessário ser conhecido. Como no texto de Ettore Finazzi no posfácio do livro, Léxico familiar é simplesmente a descrição da História dentro da história, onde o que mais encanta é encontrar a sensibilidade da família dentro de um caos, dentro do cenário totalitarista e negro, além da perspectiva do fim da segunda guerra mundial e a sensação do “nunca haver um fim” para tal cenário. Além dessa costura de memórias, o mais espetacular é descobrir as figuras que dão peso a história, pessoas públicas das letras, da política e do celebritismo, pessoas que circulavam na vida da autora e que essa mesmo dão um olhar simples e belo ao aparecimento em sua vida e narração. Natalia não é somente uma narradora fascinante, mas sim também uma pintora do seu próprio tempo e de seus costumes, desenrolando na narrativa uma impressão digital – as histórias narradas pela mãe e pelo pai, a repetição de gírias e anedotas – que nos motiva a conhecer outras de suas obras tão importantes quanto essa. Por fim, a leitura de Léxico Familiar tornou-se prazerosa ao ponto de tocar nas minhas próprias memórias, um fato que considero importante na construção de um livro: a conectividade que ele proporcionará ao leitor. A edição da Companhia das letras, além de ter uma capa singela e poderosa, trouxe dois textos de apoio que super abriram os olhos para detalhes muito abrangentes que a leitura própria, essa singela e fluente, camuflaram. Ao todo, é um livro importante para seu tempo, importante para sua história e capaz de mudar no interior do leitor, a noção do afetivo. Por Rodolfo Vilar NAVEGUE POR CATEGORIAS!Para facilitar sua procura, busque abaixo na lista o nome do autor que você procura. AUTORES
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April 2021
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