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No dia 30 de abril de 1914 nascia em Salvador Dorival Caymmi, o moço dos olhos de mel das mulheres, o compositor dos mares da Bahia, o letrista dos costumes e das tradições baianas que como ninguém, conseguiu traduzir e representar sua terra, seus amores e sua religiosidade. Hoje Caymmi completaria se vivo 104 anos de existência, deixando com sua partida uma saudade imensa na história da música, porque se deixassem, mesmo com sua famosa preguiça, ele continuaria compondo as suas histórias, porque escrever música era sua vida. Caymmi teve uma vida brilhante e celebradíssima, diferente de muitos artistas que apenas são celebrados após a morte. O cantor dividiu os mares da música, se dizendo hoje que existe um estilo clássico Cayminiano de ser cantor. A própria bossa nova talvez não existisse como existiu se Caymmi não fosse quem fosse. Sua história de composições é enorme, dando crédito até pela fama da Carmem Miranda e muitas de suas músicas sendo usadas como trilha sonora de filmes (filmes famosos de Jorge Amado que fazia questão que o amigo compusesse para seus clássicos) ou novelas da época. Muitos artistas contemporâneos de hoje creditam Caymmi pela sua forma de cantar ou compor, fazendo de Caymmi uma escola de música, igualando a outros mestres como Tom Jobim ou Vinicius de Morais. Caymmi escreveu a história musical do Brasil e ditou várias mudanças que representaram uma gama de momentos em sua vida como cantor e compositor. O recente livro que li, Dorival Caymmi: O mar e o tempo, escrito pela própria neta do artista, Stella Caymmi, presente dado a mim pelo amigo George Domingos (obrigado pelo grandíssimo presente marcante) traz diversos traços exclusivos que somente uma parente de Caymmi conseguiria traçar. A obra, que contém mais de 600 páginas de conteúdo, mostra um vastíssimo acervo com diversas fotos, lista de músicas, algumas de suas pinturas (sim, porque Caymmi também pintava e desenhava), e um texto belissímo que conta com as aventuras de Caymmi, desde seu nascimento até os tempos mais presentes de sua aposentadoria. É um livro bastante elaborado, mesmo não mostrando alguns aspectos mais verdadeiros da família Caymmi e serve como um excelente presente para aqueles que são fãs do cantor. Conhecer um pouco sobre a história desse fofíssimo personagem é conhecer um pouco mais também sobre a história do Brasil e de nossa cultura, porque quando se fala em Dorival Caymmi não tem como não relacionar Bahia e Rio de Janeiro ao quadro. Como o próprio George comenta "Caymmi é a água mansa de quem observa o mar como uma criança. O olhar capaz de se encantar com o coqueiro, a areia, o vento, o pescador. Tudo já estava lá, mas parecia invisível. Traduzir e ver poesia na singeleza, alegria e dureza da vida cotidiana do pescador não é algo trivial", coisa que Caymmi foi capaz de fazer. "Caymmi é a profundeza de uma música que de tão simples, soa como se a sua origem fosse obra de anos de decantação do imaginário coletivo do povo baiano" arremata George, que assim como eu, também é encantado com o compositor que motivou a criação de diversas conversas entre eu e ele, dois apaixonados pela sonoridade e pela ambientação da música que somente Caymmi consegue criar. Já pararam para ouvir "O vento"? É uma monstruosidade de bela. Por fim, George arremata: Caymmi é o próprio mar! Como o próprio amigo George comentou comigo durante nossas conversas, fica bem claro e curioso como Dorival Caymmi ditou algumas mudanças em nossa cultura musical e até mesmo do cinema, já que curiosamente Dorival participou ativamente do rádio da década de 30 e 40, assim também como até o próprio Walt Disney surtou ao descobrir a malemolência do baiano. "Você já foi a Bahia?" , um dos clássicos da Disney que mostrou tão bem a Bahia de nosso Brasil, teve uma grande parcela da cultura de Caymmi, levando em sua trilha sonora a famosa música que dá nome a película. Caymmi tinha um certo balagadã em seu gingado que fazia com que vários artistas, autores, radialistas, donos de TV e claro, as mulheres, ficassem caidinhos pelo seu jeito quente. Não é à toa que durante toda a sua vida Caymmi não conseguiu ficar quieto ou tirar férias. Ter lido um pouco sobre Dorival Caymmi apenas despertou em mim a paixão já escondida que eu tinha pelo cantor. Conhecer sua história de vida foi conhecer um pouquinho da luminosidade que esse gênio conseguiu durante toda sua vida. Uma pena Caymmi não ter vivido tantos anos mais, ao lado do seu violão, de sua família, de suas Marinas e suas terras de Maracangalhas. Cantar as músicas de Dorival Caymmi é cantar sobre o nosso Brasil, nossa Bahia, nossos mares. Conhecer Dorival Caymmi é encantar-se com seu jeito pacato, brincalhão e feliz de ver a vida. Um poeta das mulheres, de sua cultura, de seus amores. Sendo assim, VIVA CAYMMI eternamente. Por Rodolfo Vilar Livro Indicado no Texto Dorival Caymmi: O mar e o tempo. Autora: Stella Caymmi Ano de publicação: 2001. Editora: Editora 34. Agradecimentos ao amigo George pelo presente.
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Publicado entre os meados dos anos 1992 e 2000 em diversas revistas literárias dos Estados Unidos, Olive Kitteridge nada mais é que uma reunião de contos da autora Elizabeth Strout, ganhadora do Prêmio Pulitzer de Ficção. A obra de Elizabeth foi sucesso de vendas em outros países depois da divulgação da série homônima produzida pela HBO e tendo no papel principal a talentosíssima Frances McDormand. Porém, a magnificência do livro não vem da coincidência da sua fama ou da interpretação de seus personagens, mas sim da incrível maneira como ele foi construído ao longo do decorrer dos anos.
O livro, que é composto por treze contos ou histórias, foi escrito no decorrer de dez anos de construção, fazendo com que a sua magnânima profundidade venha da personagem principal, a Olive Kitteridge, que circula pelas treze narrativas através de diversos pontos de vista de outros personagens, que, cada um a sua maneira, fazem com que o leitor se sinta tão simpatizado com suas características e com as cicatrizes que a vida lhe causam. Strouth tem uma prosa elegante e precisa, nos narrando a passagem do tempo da personagem, que durante trinta anos sente na pele a passagem da maturidade à velhice, aprendendo com suas próprias agruras e os dramas que a cercam. A obra é um grande mosaico do tempo e da vida. As histórias tornam-se tão íntimas que fica difícil não criar empatia pelos personagens que nos são apresentados. Olive Kitteridge, com sua personalidade forte e única, é a ancora das narrativas tão singulares, que contam a vida do dia a dia dos moradores de uma cidade do litoral próximo ao Maine. São narrativas que mesclam o drama, o desejo, o desespero, o ciúme, a esperança e o amor, fazendo dos personagens pessoas verídicas e que nos tocam no mais profundo de nosso amago. Ler o livro é juntar todos esses mosaicos e ângulos para entender o sentido da história em si, que carrega uma ampla noção sobre o sentido da vida, que no romance de Elizabeth não é romantizado, mas sim árduo e verdadeiro. Por Rodolfo Vilar Mas que coisa mais estranha é essa? Pergunta minha mãe quando folheia o recente livro que chega a minha biblioteca durante essa semana. É apenas um livro com temática erótica, mãe, digo eu tentando explicar a essência do livro em si, uma mera superficialidade da obra que não diz nada mais profundo e poético sobre ela. É com esse insight que eu tenho a minha primeira concepção sobre A História do Olho de George Bataille, que muitas pessoas, assim como eu próprio tive, julgam o livro apenas por sua primeira aparência erótica, fazendo desse clássico francês um mero e fino romance retirado das nuances loucas de um autor sem sentido. A história do olho é muito mais que um livro erótico. Publicado em 1928 sob o pseudônimo de Lorde Aunch, já que George Bataille pensava querer preservar sua integridade quanto a funcionário do estado e membro de uma sociedade conservadora, o livro nada mais é que uma quase autobiografia, mesclada pelo processo psicanalista de suas sessões com o intuito de libertar os seus traumas através de seus sonhos e delírios sexuais, o que provou para a literatura que muitos clássicos dependem da entrega total de seu autor no processo de criação, o que para George Bataille foi realmente um cano de escape e o ajudou a afastar muitos de seus demônios. Muitos dos símbolos descritos dentro da história são traços biográficos de Bataille, que quando pequeno sofria as dores do pai, um senhor com uma doença terminal e que o fazia sentir certo tipo de asco e repulsa. O trauma causado pelo seu pai durante a infância vem à tona sob a forma de aventuras e personagens dentro da História do Olho, uma narrativa em primeira pessoa que leva o leitor a embrenhar-se por estranhas e complexas aventuras sexuais de dois jovens em busca pelo sentido do prazer e da liberdade. O enredo é complexo no sentido de que a história ultrapassa o fantasioso, já que se trata de dois jovens (saindo da infância e passando para a juventude), conhecendo e usando de seus desejos para chegarem a certo tipo de satisfação sexual. Os adultos, esses quando aparecem na história, parecem estar num segundo plano, não importando-se com os atos praticados ou a ética do sentido, confirmando a noção da história estar inserida num plano diferente, já que a própria voz do narrador, tida como participante da história e em primeira pessoa, nos faz julgar tratar-se de uma narrativa não fiável dos fatos. Há momentos em que a representatividade da biografia do autor através dos símbolos ultrapassa a nossa sensibilidade e entendimento. A poética de certos trechos torna-se fabulosa, fazendo da filosofia empregada no texto, já que Bataille era um leitor ávido de Nietsche e Zola, uma concepção de literatura fora dos padrões da época. O sentido final da história, quando as peças do quebra cabeça se encaixam, apenas dá-se num capítulo especifico quando Bataille, num pós edição, deixa claro o sentido da subliminaridade de sua literatura. Ler a História do Olho é conhecer todo um processo criativo que culminou numa grande obra de sua época. O relançamento do livro pela Companhia das letras apenas reforça o sentido que os seus leitores mantém sobre a importância de um romance como esse ainda continuar em circulação. Bataille foi um gênio de sua época com seu próprio estilo, o que desencadearia diversos outros autores a o usarem como técnica e fonte de inspiração, Um livro obrigatório para os verdadeiros amantes de erotismo com conteúdo profundo. Por Rodolfo Vilar Quando crescemos, parece que nossas memórias vão se acumulando num canto bem obscuro da nossa mente, onde apenas são acessadas quando o peso do pincel da consciência sobre um fato o faz emergir com a ligação de uma memória presente. Durante a infância, adolescência e início da fase adulta, esse mesmo recanto da mente parece se organizar de uma maneira em que as memórias linkadas a um fato importante ficarão fixadas na beira desse estoque, como por exemplo, o nosso primeiro beijo, o nosso primeiro salário recebido, a crítica abusiva de um professor e etc., sendo que as memórias menos relevantes perdem o sentido de seus significados e passam a ocupar uma lata de lixo bem especial. É o tecer desses pensamentos e memórias, que criam a nossa experiência afetiva da vida: o gosto da comida da avó, o cheiro do perfume da mãe quando vai trabalhar, a voz do alguém especial. Enquanto estava lendo o livro que será indicado logo a seguir, sentia-me impregnado pelas lembranças de um outro alguém que inacreditável faziam ativar as minhas memórias afetivas, fazendo com que carinhosamente eu sentisse um certo tipo de conexão com a autora, como se fôssemos tão cúmplices em compartilhar memórias, que ela fosse de inspirar confiança no se abrir. Léxico Familiar da Natalia Ginzburg é uma grande colcha de retalhos sentimentais que nos guia no processo do reconhecimento da memória como literatura, uma experiência que não somente nos relata a vida íntima de alguém, mas sim também panos de fundos, camadas, tão bem construídas de outras características que a leitura é mais que leitura, é uma experiência única.
Tido como um livro de não-ficção, Léxico Familiar assemelhasse a um romance no sentido de que, mesmo sendo um livro de memórias, torna-se um tanto poético na forma como descreve os personagens que circulam pelas páginas, assim como os lugares, as sensações e os fatos históricos inseridos como pano de fundo. A autora, que é a voz principal do texto e visão central dos fatos, tece com maestria as memórias de sua família, judeus, antifascistas, que vivem em plena época do fascismo na Itália de Mussolini. Com detalhes bastante específicos sobre cada membro de sua família e amigos, Natalia Ginzburg consegue trazer à tona suas memórias espetaculares que remontam a sensação de estarmos ouvindo as nossas próprias experiências quando jovens e adultos que nos sentimos. Em meio a essas memórias, de forma subliminar e não direta, Natalia insere o cenário fascista e ditador de sua época, onde nos mostra o fantasma de seu passado obscuro por perseguições, dogmas e incertezas. Escrito em 1963, o romance tem como papel trazer de volta a intimidade, as vozes de um passado que se faz necessário ser conhecido. Como no texto de Ettore Finazzi no posfácio do livro, Léxico familiar é simplesmente a descrição da História dentro da história, onde o que mais encanta é encontrar a sensibilidade da família dentro de um caos, dentro do cenário totalitarista e negro, além da perspectiva do fim da segunda guerra mundial e a sensação do “nunca haver um fim” para tal cenário. Além dessa costura de memórias, o mais espetacular é descobrir as figuras que dão peso a história, pessoas públicas das letras, da política e do celebritismo, pessoas que circulavam na vida da autora e que essa mesmo dão um olhar simples e belo ao aparecimento em sua vida e narração. Natalia não é somente uma narradora fascinante, mas sim também uma pintora do seu próprio tempo e de seus costumes, desenrolando na narrativa uma impressão digital – as histórias narradas pela mãe e pelo pai, a repetição de gírias e anedotas – que nos motiva a conhecer outras de suas obras tão importantes quanto essa. Por fim, a leitura de Léxico Familiar tornou-se prazerosa ao ponto de tocar nas minhas próprias memórias, um fato que considero importante na construção de um livro: a conectividade que ele proporcionará ao leitor. A edição da Companhia das letras, além de ter uma capa singela e poderosa, trouxe dois textos de apoio que super abriram os olhos para detalhes muito abrangentes que a leitura própria, essa singela e fluente, camuflaram. Ao todo, é um livro importante para seu tempo, importante para sua história e capaz de mudar no interior do leitor, a noção do afetivo. Por Rodolfo Vilar NAVEGUE POR CATEGORIAS!Para facilitar sua procura, busque abaixo na lista o nome do autor que você procura. AUTORES
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April 2021
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