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AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE | JOSÉ SARAMAGO

12/13/2017

 
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E no dia seguinte ninguém morreu...
 
Um tanto magoada pela arrogância dos homens, a morte (com inicial minúscula mesmo) decide tirar um tempo de férias e não matar mais ninguém. O caos logo se estabelece em vários aspectos e níveis, uma vez que sem a morte a taxa de natalidade apenas tende a crescer, criando o famoso caso da superpopulação: aumentando a lotação e o caos nos hospitais, uma vez que aqueles que estão em péssimas condições não passam “dessa para melhor”; aumentando o trabalho para os enfermeiros em casas de repouso para velhos e inválidos; dando crise as funerárias que não exercem mais a função de dar o descanso aos mortos e fazendo da maior instituição, a Igreja, um caso de descrença, uma vez que sem morte não há a promessa de ressurreição e sem ressurreição não há igreja. Dentro desse enredo misturado com um toque de humor, José Saramago dá voz a mais uma fábula moderna de nossos tempos, dessa vez dando importância a temas mais específicos: A morte, o tempo, as necessidades humanas e as constituições hierárquicas.

​Durante toda a leitura apenas uma pergunta permanece na cabeça: por qual motivo a morte deixou de matar as pessoas? É esse o mote que dará a ideia e a curiosidade central do livro, já que após conhecermos as consequências da falta de falecimento, apenas o que nos permeia a mente é descobrir o motivo que deixou que um fato tão importante, morrer, um processo biológico condicionado ao ser humano e fadado nas nossas mentes como destino para todos, deixou de acontecer. É com essa pergunta chave que Saramago irá nos abrir a mente para pensarmos sobre o tão fatal destino humano, uma vez que somos contestados a todo momento sobre esse processo, não no sentido de fim, mas sim mais como um sentido de dúvida e medo. Saramago traz à tona a ideia de que não exatamente a morte é algo externo, como algo que está à espreita para nos alcançarmos e sermos fatalmente barganhados pela ceifa, mas sim da morte como algo interno, em que nós mesmo já somos a morte, cada qual possuindo a sua de maneira individual, habitando ela nosso ser.  Apesar da morte aqui no livro ser tratada como uma mulher, já que calculadamente nesse gênero ela desempenhará uma função, ela própria, a morte, filosofa sobre o sentido de outra morte, aquela mais universal e única que retrata exatamente esse sentido proposto pelo autor de que não se trata de algo à caça de algo, mas sim de algo naturalmente destinado a raça humana. Muitos autores já trataram da morte de várias maneiras, mas somente Saramago nesse volume, consegue tão bem, e aqui comparado ao método Kafkiano de contar histórias, criar um arrebatamento que leva ao enlaço da criação de um tema tão especifico.

A partir desse ponto, já que Saramago sempre retorna ao seu método do “E se?”, tirando os seus personagens do comodismo de suas vidas, ele irá tratar de assuntos impertinentes, que permearão vários momentos do livro e que tocarão de maneira especifico em cada leitor. Após o colapso que a falta da morte causa na humanidade, Saramago deixa bem claro como ainda assim é possível encontrar brechas nos sistemas (Capitalistas, empresariais), brechas essas que não somente podem desmoronar com algum acontecimento (nesse caso a falta de morrer), como também as brechas para aqueles que podem ser mais espertos e se darem bem com a situação. De toda maneira fica claro como a humanidade é presa pelos sistemas de modo geral, tanto os burocráticos como os financeiros, fazendo de nossas vidas um reflexo do mundo como um todo. A Igreja que desmorona com a falta de fiéis, os seguros de vida que entram em crise após ninguém mais morrer, a maphia (gangue para aqueles que querem morrer de forma clandestina) que se torna um novo tipo de sistema capitalista são apenas exemplos dos processos criados por Saramago. De forma resumida, aqui trata-se de demonstrar que até mesmo num sistema bem complexo e seguro ainda pode existir brechas e falhas, principalmente quando se existe o poder da corrupção para suas barganhas.

Outro ponto quando se trata da morte é a questão da Eutanásia, que no livro é tratada através de um personagem idoso que, por não aguentar mais sofrer, escolhe pela sua própria vontade morrer de maneira técnica, já que a falta da falência apenas acontece num país especifico, ainda sendo possível morrer para aqueles que atravessarem a fronteira da cidade. De maneira especifica e critica, Saramago toca no assunto tratando da opinião dos demais quanto ao tema, tendo aqueles que o acham um escândalo e outros favoráveis, já que muitos tratam da situação não como uma escolha, mas sim um verdadeiro crime a vida. Mas sendo uma escolha individual, que crime seria esse?

Com um humor negro, carregado de críticas e filosofias mais profundas, Saramago conseguiu mais uma vez criar uma história que toca em nosso âmago. Seus personagens são profundos ao ponto no qual eles nos transmitem suas essenciais, são sentimentais ao ponto de nos transmitir seus sentimentos e essenciais na medida que nós o conhecemos. Até que enfim, quando a história ganha um corpo mais denso e ilustrativo, finalmente descobrimos o porquê de no dia seguinte não morreu ninguém. 



Por Rodolfo Vilar

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